sexta-feira, 30 de julho de 2004

TLP II


Entrei encostei-me ao balcão. Um rapaz moreno está parado junto à casa de banho a fixar  qualquer coisa, que do angulo onde me encontro, não me permite perceber o que é. Espera aí! É aquele que há bocado estava a tentar irritar aquela tia da Foz, que me deu um encontrão com aquela carteira horrorosa, cujo nome não consigo pronunciar. Entro na casa de banho. Deixá-lo ir.
Começo a ouvir a conversa das duas tipas que estão ao meu lado. Se as julgasse pela aparência, nem sequer me dava ao trabalho de ouvir. A mistura de cores que comportam nos seus pequeninos corpos faria o arco-íris corar de vergonha. Com um ar muito pseudo-intelectualóide vão comentando a música. Até sabem umas coisinhas...O rapaz sai da casa de banho, passa disparado e senta-se na mesa vazia até agora, cheia com um livro, um maço de tabaco, um Zippo prateado e o indispensável telemóvel. Pede uma cerveja com sotaque do Norte. Tem pinta. Veste bem, com um estilo original e percebe-se que sabe que está bem, embora só. Espera. Alguém o está a observar, para além de mim, até é capaz de ter piada...
CONTINUA



TLP

 
São dez da noite e ela não promete nada de especial. Encontro-me circunspecto a observar toda a gente que entra e sai. Vou na segunda cerveja, e as caras que me rodeiam fazem-me desejar que se resumam a borrões de tinta azul marinho, espalhados pelo chão e pelo balcão.
A música versa qualquer coisa como “yeah, yeah”. Muse outra vez. Podiam por qualquer coisa menos depressiva. Olho para o DJ e faço-lhe sinal para mudar a música, ao mesmo tempo que faço o esgar de tudo_menos_Marco_Paulo. Ele ri-se e diz para esperar.
Duas músicas depois, entra uma senhora com uma mala Louis Vuitton, e a forma afectada como me olha, dá-me vontade de lhe vomitar para dentro da carteira, todo o nojo que sinto por pessoas afectadas e snobs. Pego no telemóvel e finjo que ligo para alguém, crio uma conversa imaginária e rio-me à gargalhada, só para incomodar a senhora. Consigo-o e rio com um gosto desmesurado e cruel. Pergunto-me porque raio é que as pessoas não podem ser autênticas sem ser julgadas pelo olhar afiado e acutilante deste tipo de gente. Que se fodam todas! Provavelmente está a pensar que estou bêbado. Que vá dar uma volta ao bilhar grande que eu não estou para me preocupar com a opinião das outras pessoas. Nunca me incomodei e não é hoje que vou começar. Para além disso com um cú daquele tamanho não deve cagar na sanita, mas sim na banheira. O meu espírito crítico parece um fórmula 1.
Vou à casa de banho e reparo numa jovem interessante, sentada numa mesa com um casal. A mesa é daquelas que se usa para  o jogo do copo, mas a jovem tem todo o aspecto que não de bruxa. Está a falar com as mãos e sorri ao mesmo tempo que o vai fazendo. Há qualquer coisa que me fascina... Olha primeiro de relance, e notando que eu tinha ficado estacado a observá-la,  devolve-me um olhar profundo que me deixa despido. O meu coração acelera como uma bicicleta sem travões numa descida íngreme. Deixo o estupor para trás e vou descarregar uma cerveja. Um cartaz cita Shakespeare “My greatest love is the result of my only hate.”, Romeu e Julieta. Há uma linha muito ténue entre o amor e o ódio, podemos rapidamente passar rapidamente do primeiro para o segundo, e raramente do ódio para o amor. Para além disso, o que amámos não deixa de ser aquilo de que mais temos medo.
Saio e reparo que ela continua a ter um vislumbre de interesse. Pudera, se eu visse alguém estupidificado a olhar para mim, também ficaria interessado. Quem visse a minha cara naquele momento, provavelmente acharia que eu tinha sofrido uma comoção cerebral. Não é que eu seja feio, mas momentos antes a minha cara parecia um lago num dia de vento, à espera da pedrada para quebrar a estaticidade.
Voltei para a minha mesa e pedi outra cerveja. Não é assim que se perde barriga mas... paciência. Percebi que estava a ser observado. Era aquela sensação, que mesmo quando estamos de costas, parece que nos estão a fazer pressão na parte anterior do pescoço.Virei-me para ver quem era...
CONTINUA

sexta-feira, 23 de julho de 2004

Saldos

Porque raio é que quando começam os saldos, eu estou sempre sem dinheiro? Tenho a mais absoluta das certezas que uma mente mesquinha, diabólica e maquiavélica, de certeza que é uma mulher, está todos os dias da minha vida a inspeccionar a minha conta bancária, e quando vê que estou sem dinheiro, telefona para as minhas lojas preferidas, aos berros e engasgada com uma gargalhada demoníaca, a dizer ponham as placas, façam descontos o gajo já não tem dinheiro, esperem até ver a cara dele quando passar aí na loja. Ah! Ah! Ah! Ah! (deve gargalhar-se com sotaque nosferatu).

Sou um Vampiro

Sou um vampiro. Anseio pelo sangue das pessoas. Invento mil e um estratagemas retorcidos para lhes roubar a essência da vida.
Dou por mim a vaguear na noite, ouço e sinto as pessoas a falar, farejo-as e observo com atenção todo e qualquer pormenor importante para a minha subsistência.
Saio do autocarro e sigo uma loiraça de 21 anos, que vinha a contar que ia fazer um escândalo com o gajo, quando chegasse à discoteca. Andou uns metros, olhou por cima do ombro, e senti a marosca descoberta. Furtivamente evaporei-me num salto felino, para trás de uma árvore, e sai logo a seguir a fechar a braguilha. Não fosse ela desconfiar das minhas intenções. Parece que não. Seguiu caminho. Segui-a e entrou no Tomate. Entrei também disfarçando um ar de habitué de sexta-feira à noite, à cata de uma mulher para levar para casa e aquecer-me os pés e outras coisas também embora com o síndroma de abstinência que me estava a roer, só a ideia de aquecer fosse o que fosse, me enojava. E com o que conhecia daquilo, jurara a mim próprio não fazer mais cenas tristes num local daqueles. Pensei nos engates de cotas que já se estavam a efectuar. Com nojo, pensei, que se todos fossem vampiros como eu, tudo seria melhor, e escusavam ter acções recriminadas por eles próprios. A composição da sociedade era a coisa mais estúpida e hipócrita que já senti a pesar sobre mim.
Pedi um Jack Daniels, e beberriquei, enquanto ia seguindo com os olhos, a loira deliciosa, que com um ar decidido, francamente duro, e sexy, procurava algo com o olhar, brilhante, semicerrado.
Não tardou e levou um apalpão de um quarentão de cabelo grisalho e ar de engatatão da feira da Vandoma, que se deslocou rapidamente ao Pedro Hispano, depois de ter chocado de frente com um copo de bourbon. Pedi outro Jack, e comecei a tratá-lo por você. Reparei que a loiraboacumóraioquehá-devirumdiadestesparameiluminar, continuava à procura da sua presa dessa noite. Amassada vezes sem conta até conseguir vislumbrar pelo canto do olho, o seu objectivo, sacou da sua side arm e cilindrou-o com uma bofetada que abafou a música. Ouvi-a claramente dizer que ele não tinha vergonha, que era um cafageste. Brasileirismo desnecessário. Acho que pulha estava mais adequado, ou até mesmo cabrão como que insinuasse que ele tinha um par extremamente retorcido de chifres, e que podia, porventura, pôr os boxers a secar num estendal providencialmente montado entre hastes.
Que não tinha o direito de lhe fazer aquilo, logo agora que ela era feliz. Que lhe roubara a esperança no amor. Como é que ela ia poder viver dali para a frente... saiu desesperada a chorar, e o vampiro do meu ego acordou.
Segui-a pela última vez e paguei atentamente a aglomerar todas as reacções da rapariga. Saí atrás dela e abordei-a com uma oferta de boleia. Que ela não estava nada bem, que se quisesse podia desabafar comigo. Muitos anos de experiência convenceram a rapariga a aceitar a simpatia.
Contou-me que namorava com a rapariga que estava com o seu melhor amigo, na marmelada na discoteca. Não fora ela que a traíra, mas sim ele que com a experiência de beto estúpido, achara aquilo um desafio e intrometera-se na sua relação. Agora dizia a plenos pulmões que conseguira comer uma fufa, e mantinha-a ao seu lado. Ganhara uma grade de cerveja e a admiração dos seus colegas de trunfa estúpida a cair sobre os olhos, bíceps horrorosamente deformados pelo culturismo, encaixilhados em pólos da Sacoor Brothers.
Deixe estar que são todos uns clones uns dos outros. E não se preocupe, há-de arranjar melhor. Pedi ao taxista que me levasse ao meu palacete na Foz, e levei-a para a varanda, que ela não estava em condições para ir já para casa. Sentei-me no meu cadeirão preferido, e preparei com cuidado o fim da partida.
No fundo não podia negar a minha natureza. Era um vampiro. Muito especial. Sugava todos os pormenores das pessoas. Era atraído por todos os pormenores sórdidos e interessantes da vida de cada ser humano, e convenhamos, os sórdidos são os mais interessantes. Ao longo dos anos desenvolvi um sexto sentido, que estava latente em mim, que me permitia julgar as pessoas e perceber onde estavam as histórias mais sui generis. A partir daí tornou-se um vício. Todas as noites tinha que sair de casa para curar a ressaca. Procurava uma pessoa, que escolhia criteriosamente, e deliciava-me a dissecar a história mais impressionante da vida dela. Sugava aquilo, com a sofreguidão de um naufrago morto de sede, rodeado de água salgada que não lhe serve de nada. Dia após dia, história após história ia sugando aquilo como se sangue fosse.
Muitas vidas vivem dentro de mim. Cada história que se interliga com as pré-existentes, e formam uma imbrincada teia de sentimentos, dores e felicidades...
Mas este caso... é diferente. Um desafio!
Falei-lhe ao ouvido. Disse-lhe que era uma mulher muito atraente. Fui buscar um Jack, deixando de parte as formalidades e voltando a tratá-lo por tu. Voltei a falar-lhe ao ouvido. Segredei-lhe qualquer coisa imperceptível até para mim, de tão baixo que foi dito. No entanto, ela percebeu-me perfeitamente.
No dia seguinte, juntei-me com os meus amigos, que me deram os parabéns na forma de uma grade de cerveja. Com as suas trunfas a cair sobre os olhos, perguntaram-me os pormenores...

A melhor amiga do Homem

Beber cerveja é uma arte. É duro mas é verdade. Não nos podemos abstrair de que o simples gesto de lamber a espuma e dar o primeiro beijo num fino acabadinho de tirar, é um momento mágico, melhor que o primeiro beijo que damos a uma mulher. Bem, a tua vida sexual deve estar a correr às mil maravilhas... A bem da verdade a coisa mais aproximada que tive com sexo nos últimos tempos, foi a injecção de penicilina que apanhei na semana passada.
Mas voltando à cerveja, há que pensar que as cervejas não são todas iguais e que servem para fins completamente diferentes. Por exemplo, a Guiness tem tantos nutrientes que constitui um pequeno almoço completo, e tão espessa que devia ser comida e não bebida. A Carlsberg, provavelmente a melhor cerveja do mundo, é uma cerveja para ser bebida à noite, sem comida. O seu sabor tem que ser simples, sem acompanhamentos, para não estragar a sua degustação. A Super Bock, a acompanhar francesinhas, a meio da tarde, de manhã, em qualquer momento é a melhor companhia do homem e uma alta promotora da mochila (leia-se barriga).

Campo Minado

Quase todas as pessoas que conheço usam perfume. Até aqui tudo bem, mas o que não consigo entender é porque raio as mulheres o usam em pontos estratégicos. De certeza absoluta que, quando estão a pôr a essência, estão com um esgar de sadismo a pensar no efeito que aquilo vai ter no sexo oposto.
Acho que todos os homens já passaram pela situação de estar com uma mulher e de repente, ter a urgente vontade de lavar a boca com álcool etílico. Pois é, acho que elas fazem de propósito quando põem o perfume no pescoço, ou entre os seios, é um repelente de certeza, vai um tipo todo lampeiro, e qual não é a surpresa, BLAAARGH, é a onomatopeia certa para exprimir o sentimento. É das piores rasteiras, traições, merdas que se pode fazer a um homem, tirar-lhe toda a pujança sexual com uma gota de perfume. Já as estou a ver a rir sarcasticamente com o campo minado que criaram.
Não é justo!

quarta-feira, 21 de julho de 2004

Vilar de Mouros II

 Mas afinal que é que Vilar de Mouros tem de bom para além de Cerveja, muita; poeirada, de todos os tipos possíveis e imaginários; pessoas sem tomar banho, parece que fazem questão; tabaco, mais tabaco e ainda mais tabaco; e música, para além dos mosquitos, cachorros quentes e pessoas desmaiadas?

Realmente, este foi provavelmente o Vilar de Mouros mais memorável, e se não foi vai ser. Primeiro o Peter Gabriel está quase a bater as botas; o Robert Smith já nem usa maquilhagem para dar aquele ar de Góticomaismortoquevivo, aliás está morto e ainda ninguém lhe telefonou a avisar; e quanto ao Bob Dylan... acho que sou uma das muitas pessoas que está convencida que ele nem esteve em palco, porque muito sinceramente não o vi, e ele fez questão de apagar os monitores laterais para preservar a sua mitificada imagem. Por isso vou dizer, daqui a alguns anos, que estive nos últimos concertos destas três personagens.Quanto aos outros, bem... Enquanto que todos os participantes padeciam de um problema de mosquitos, a Macy Gray debatia-se com um grave problema de ratos, porque com aquela juba... sinceramente nem me lembro da música, de tal maneira estava compenetrado no cabelo da senhora. Os Chemical Brothers fizeram jus ao nome, porque só quem mete muitos químicos para dentro é que consegue fazer aquele tipo de música. P J Harvey, estava muito ocupado a tentar levantar dinheiro e foi com grande pena que não vi. E depois temos mais qualquer coisinha que para mim foi o verdadeiro FESTIVAL: Toranja, muito bom, e os Clã arrasaram, transformaram o recinto numa discoteca!!!! Brilhante!

terça-feira, 20 de julho de 2004

Vilar de Mouros


Quem não foi devia ir. Quem já foi devia voltar. Quem esteve lá este fim de semana devia ter juízo e estar a dormir! Não há explicação possível para tal estado de euforia que contagia pessoas de todos os credos, idades e mentalidade anarco-social. A cerveja e os vários tipos de drogas que por lá se vêem não são desculpa suficiente para todo e qualquer tipo de cenários que se constróem de um momento para o outro.
Primeira regra de Vilar de Mouros, não há coincidências. Todas as pessoas que se encontram lá não o fazem ao acaso, há uma arquitectura sobrenatural que faz com que aquilo que procurámos não venha ter connosco, e as companhias indesejadas, vulgo cromos, colam-se a nós como cola, parafraseando um amigo "se fossem moluscos eram lapas". Não falo ao acaso, já que um cromo, perseguiu-nos desde a primeira noite aparecendo nos locais mais insuspeitos, acreditando piamente que eu era holandês, mea culpa, e sempre que eu mencionava esta personagem, lá aparecia ele do nada. Foi visto pela última vez em direcção à festa de Trance agarrado a um camião do lixo. Espero que tenha sido despejado bem longe. Perguntaram-me a certa altura se eu não me perdia dos meus amigos, ao que respondi que eles me encontravam sempre, quando acabei a frase lá vinham eles na minha direcção, o que provocou a gargalhada geral, já que isto estava sempre a acontecer, nos momentos mais estranhos.
Pior ainda foi quando descobrimos que éramos mais conhecidos que o termómetro, eu sei que não é assim que se diz, mas quando tentei dizer a frase correcta, não me conseguia sair a palavra tremoço. Coisas da vida.
Aconteceu este episódio numa das muitas barracas de SuperBock do recinto quando uma menina perguntou ao Pedro, que lá foi sozinho, se "os outros dois já tinham desistido". Foi uma constatação de que devíamos ir lá imensas vezes, mas não nos dávamos conta, mas não era difícil de reparar no Capuchinho Vermelho e nos dois Moicanos, um ruivo e um moreno. Segunda regra de Vilar de Mouros: não há mosquitos em lado nenhum! Há Vampiros, e aos milhares! Quando se chega à vila começa-se a constatar que se é atacado a cada dois segundos por uma espécie baptizada prontamente de Mosquito Cão, porque morde e não larga. Quem inventou a anedota "Qual é a diferença entre uma loira e um mosquito", não esteve em Vilar de Mouros, porque quando se bate nestes mosquitos eles continuam a chupar como as loiras da anedota. Aliás a organização, para o próximo ano,  vai substituir as pulseiras amarelas e vermelhas porque as mordidelas que toda a gente tinha dava para ver quem estava no festival!

sábado, 17 de julho de 2004

Os Pseudo-Forinhas

-Continuação-
Pior que os Forinhas só os Pseudo-Forinhas!
Os Pseudo-Forinhas... coitados, sem imaginação para mais, são o chocolate Avianense em comparação com o verdadeiro e único chocolate, o Toblerone, são o sucedâneo dos Forinhas. Optaram por copiar os Forinhas mas de uma forma que os torna um pouco tristes. TRISTES sim, são uns tristes. Tiraram a beleza toda aos Forinhas. Os PF’s são os meninos bem que resolveram enfrentar os paizinhos e então decidiram ser rebeldes. Fazem quase tudo que os Forinhas fazem, mas não colam cartazes, tomam banho, têm namoradas carneiras, são incapazes de dormir na rua, e têm a puta da mania que são rebeldes, como se nunca puseram sebo no cabelo? Se nunca viram um piercing infectado; se nunca mijaram nos pés para os aquecer no inverno?
Estes moços e moças gostam das mesmas coisas menos dos sacrifícios, que são poucos. Se eu fosse Forinha e conhecesse algum destes PF’s tirava-lhe o cartão de sócio!!! Imitadores baratos é o que é!!! Aliás caros, já que as ropitas que usam são de boas lojas sendo imitações dos grandes ícones e vagas culturais anarco-rebelde-estoucontratudooqueseconhece. Perceberam.aliás o estoucontratudooqueconheço, vai ao cúmulo de nos casos mais graves de PF’s de se tornar num estoucontratudooqueconheçoatécontramimpróprio. São estúpidos, mas faz parte.

sexta-feira, 16 de julho de 2004

Os Forinhas

Voltámos à onda das críticas, sociais ou não, o que interessa é que transmitam algo de útil. Estava eu a beber as minhas cervejas de sábado à noite quando de repente surge à conversa um tema de que me orgulho de ter uma opinião muito crítica e por vezes muito cáustica. Os Forinhas.
O que são Forinhas, ainda me perguntava eu há poucos meses, já que todos os dias se criam novas terminologias, transformando palavras que deviam ser vulgarmente usadas, em palavras vulgares desprovidas de uso, porque é mais fahion dizer Forinhas em detrimento de deslocados. No fundo é o mesmo mas com muito mais estilo.
A juventude de hoje cria uma série de novas palavras, ou melhor, reinventa-as para fazer frente ao poder instituído. O que dizer do principal ninho de Forinhas do mundo, o Bloco de Esquerda. Aliás estou a meter os pés pelas mãos, porque os bloquistas não são Forinhas, são Pseudo-Forinhas, já que os Forinhas ingressam e engrossam, não muito, as fileiras do Partido Comunista Português.
Mas isto não é um artigo sobre política, nem é minha intenção dar-vos uma grande seca. Eu passo a explicar o que tentou a tentar dizer/escrever.
A sociedade é limitada e delimitada pelo conjunto social de pessoas que tem gostos, ideias, convenções e conveniências muito similares, bem como conceitos morais e hermenêuticos que não tem disparidades muito visíveis, comportando no seu tecido a noção de normalidade. Em suma é um bando de carneiros que come erva do mesmo prado, bebe no mesmo lago, caga no mesmo canto e é comido, depois de muito bem temperado, senão é um cheiro que não se aguenta, da mesma forma que os seus correligionários amigos, colegas, companheiros, palhaços, carneiros!
Estas pessoas ditas normais, que a partir de agora passamos a designar por Carneiros, tendem como todo o ser humano a etiquetar as pessoas que estão à sua volta com um título, que faz a clivagem cultural, social, you name it, de modo a poder haver diferenças. Agora é que vem os Forinhas.
O que são então os Forinhas? São todos aqueles deslocados que não se enquadram no tecido social normalmente aceite pela maioria. Ou seja são todos aqueles que não gostam de comer tomates de carneiro e não aguentam o cheiro a burro morto que a carne de carneiro exala antes e depois de morto.
Temos então o redil dos carneiros, vulgo sociedade, e fora do limite da linha que delimita o redil, denominada de linha de Fora, estão... os Forinhas. Percebem agora? Vestem de forma diferente, com roupas herdadas dos punk’s, skinheads, hippies, usam todo e qualquer item que seja minimamente étnico, põem dentro da misturadora, com umas rastas no cabelo com sebo quanto baste, uns piercings e voilá o Forinha. Filiam-se prioritariamente no PCP. Depois dá-lhes uma aragem e mudam para o Bloco, mas já lá vamos. Metem-se nas associações de estudantes, nos movimentos anti-praxe, na Greenpeace, no Movimento de Protecção das Cadelas que Têm Cio Seis Meses Ininterruptamente e Ninguém Lhes Liga Puto, etc. Frequentam bares que tem sempre uma instalação, uma exposição, uma performance, qualquer coisa, mesmo que seja atirar latas de sardinha vazias do quarto andar para a rua, desde que seja arte... têm namorados/as do mesmo anti-grupo social, geralmente nem carneiros de signo querem conhecer. Em resumo, são os idealistas que enchem as ruas de murais contestatários, que fazem manifestações antiglobalização, anti-guerra, anti-estáticas, que mandam email's a avisar que a coca-cola é um veneno, que compram a revista cânhamo, que se recusam a comer no MacDonald’s e todo e qualquer um deles enfiaria uma pinha em brasa no cu do Bush pelas merdas que tem andado a fazer.

-CONTINUA-

terça-feira, 13 de julho de 2004

Raiva

Encontrava-se confuso como nunca se encontrara até ao momento. A sua cabeça volteava em turbilhão, dirigindo-se lentamente em espirais finitas para um ponto com um fundo bem definido. Mancava de um olho enquanto fixava o futuro incerto e conhecido de antemão. Era o ponto final e de partida porque tanto ansiava. Lentamente sentia os frios dedos do destino a fixar-se na sua garganta. Riu-se temerariamente não sentindo ainda os seus efeitos.
Calculou com parcimónia todas as jogadas que ainda lhe restavam. Autobiograficamente olhou para o punhal que se lhe enterrava lentamente nas costas e reconheceu o executante com a precisão milimétrica de quem fazia um desenho técnico. Gargalhou na sua direcção e sentiu-se mais calmo. A veia que se lhe dilatava no crânio acalmou e o sentimento de vingança encheu-lhe todos os sentidos mesuráveis.
Enquanto escrevia toda a raiva se esvaziava e com determinação tomava decisões que lhe iam mudar a vida de qualquer forma. É impressionante como num momento de estagnação a tentativa de espezinhar alguém desperta nela todo que de bom e mau existe e a faz evoluir. A traição funciona como motivação.
Recolheu-se num casulo a aperfeiçoar todas as suas capacidades, habilidades, capacidades, para se tornar na borboleta venenosa que desferiria o golpe final. Rilhou os dentes lentamente e sentiu o marfim a ceder. Estalou os dedos e pensou nas capacidades que teria para executar tão agridoce tarefa.
Tantos anos de assassino profissional não lhe deram, ainda, o treino suficiente para poder encarar desafios pessoais. Tentou escrever, mas as gralhas eram constantes. Os dedos atropelavam-se nas teclas, como se a guerra de letras se tratasse de uma sopa, com as vogais a rir das consoantes.
Abriu a porta da sua vivenda Art Nova, decorada com portentosos azulejos, decorados com cornucópias floridas de amarelo arabizadas de azul vinoso e guiado pelo pensamento de todas as afrontas e atropelos cometidos por aquele que considerava seu amigo, agora inimigo pseudo-declarado deixou-se conduzir ao ambiente da futura felicidade e calma desfigurada pelo destino atroz desenhado a terracota por um dedo desse Judas ainda não queimado. Mas prestes a sê-lo.
Encontrou a porta fechada e chorou, chorou lágrimas ácidas que derreteram o puxador, chutou a porta e entrou de rompante no corredor como um vendaval interior. Procurou o objectivo e com raiva encontrou-o estrangulou-o crispando os dedos depois de ter lido Valquíria estou no cemitério. Adiado! Adiado, mais uma vez adiados o tormento e o prazer.
Freneticamente andou, correu, passeou e entrou no cemitério de Agramonte. Deixou-se envolver pelo silêncio, pelo chilrear dos pardais, e com toda a calma deste mundo congelou a envolvência até à vigésima quinta secção. Estacou ao vislumbre. Lá estava ele semi-encoberto por uma japoneira. Orava com a sua hipocrisia a alguém que lhe era completamente indiferente. O busto revelava uma senhora morta dois anos antes, vestida com uma capa negra de estudante. O negro da capa contrastava com o branco do mármore. O olhar vazio pressentia a tragédia que se seguiria. As flores caídas com a providencial ajuda do Outono pejavam o chão de rosa e o seu olhar tingiu-se de vermelho...
Aproximou-se e disparou. Disparou todas as palavras de repreensão e recriminação que estavam contidas pela raiva contida até ao momento. Vomitou todas as emoções com uma dor de estômago infernal que lhe moeu o íntimo da consciência e do raciocínio. Espalhou os sonhos do traidor pelo chão e nunca mais foi feliz com a vingança.

O Papel

Estava sentado na sua costumeira esplanada, a saborear o café. Eram quatro da tarde e àquela hora os transeuntes eram muitos. Sentava-se ali cerca de meia hora por dia, a bisbilhotar discretamente os afazeres das outras pessoas.
Lembrava-se sempre daquela senhora, que morava numa rua estreitinha, na sua já há muito esquecida freguesia, perdida nos confins da serra Amarela, que parcimoniosamente observava as andanças das outras pessoas, e entre um dedo e outro de prosa, recolhia todos os boatos que se transformavam em notícias e todas as notícias que se transformavam em boatos, tal era a habilidade da senhora para deturpar as coisas. Não se lembrava do seu nome, mas na aldeia chamavam-lhe a Emissora Nacional. Não tinha muito crédito na praça mas havia uma notícia ou outra que lá acabava por passar para bocas mais limpas.
Não era propriamente a afinidade com a conterrânea que o fazia estar ali sentado quase todos os dias. Gostava de observar as pessoas e imaginar para onde iriam, o que faziam ali, ler-lhes na cara as emoções para inventar personagens que pudessem encher páginas escritas de histórias fantásticas.
Pousou a chávena e abriu o livro que estava na cadeira ao lado. “Baudolino” de Umberto Eco. Curiosa personagem esta que mentia compulsivamente e se achava o criador de inúmeros acontecimentos do século XII. Quantos Baudolinos não nos passaram já pela frente e continuam a passar? A Emissora Nacional, lá na sua terra era um.
Deixou os pensamentos para trás já que, entretanto pelo canto do olho, reparou numa criatura atípica no seio daquela mole de pessoas que se comportavam todas da mesma forma. Um sem abrigo, com a perna esquerda amputada pelo joelho e pela vida, aproximou-se e por cima do ombro tentou discernir o que ele estava a ler. O Leitor ignorou a respiração etílica que sobre si caía e continuou a ler, só acordando quando o Amputado lhe perguntou:
- Então o que está a achar desse livro?
- Não é o melhor livro deste autor, mas também não é o pior, gaguejou, espantado com a questão.
Estava à espera de tudo menos daquilo, mas quem diz que os sem abrigo são incultos? Não é uma verdade absoluta, mas a sociedade torna-a quase um dogma, um mundo de aparências é o que é. Foi interrompido novamente.
- Quando não tinha ainda desgraçado a minha vida costumava ler muito, mas agora já não o posso fazer, disse com tristeza. Agora, vou lendo uns jornais que apanho no lixo, ou com muita sorte, vou encontrando uns livros abandonados. É a vida.
- Pois é, mas olhe, não se quer sentar aqui cinco minutos a tomar qualquer coisa que eu venho já? Peça o que quiser que eu falo com o senhor do café.
Entrou informou o senhor do café que servisse o seu convidado, e três lanches mistos, uma fatia de bola e uma cerveja depois, voltava ofegante. Pousou dois livros iguais na mesa e ofereceu um deles ao senhor que se desfez em lágrimas. Ele evitou os agradecimentos, e pacientemente ouviu a história que ele tinha para lhe contar. Cinco minutos depois pelo meio de uma chuva de agradecimentos, pediu desculpa e educadamente continuou a sua jornada para fazer dinheiro, quanto mais não fosse para o almoço do dia seguinte, porque para o jantar já ia bem servido. Levava no bolso alguns pastéis e sandes.
Entretanto na mesa ao lado a cena toda tinha sido seguida com atenção. Uma morena de cabelo castanho liso, por cima das lentes dos óculos de sol, ia tirando as medidas e estudando todo o envolvimento em volta daquela personagem. Brincava com o cigarro que tinha na mão e ia tirando fumaças de fumo azulado de cada vez que tirava uma passa. Pensativa olhou em volta e vendo que não era alvo de atenção, pensou que se lixe e escreveu qualquer coisa num papel.
Um cigarro depois o Benemérito levantou-se e ela ficou com a adrenalina aos saltos. Quando reparou que ele se dirigia à casa de banho, levantou-se e rapidamente colocou a marcar o livro o Papel, não sem antes ter levado com um sorriso de um casal de namorados que entretanto tinha reparado nas suas movimentações.
Setenta e três pessoas que passavam na rua (entre as quais dois polícias em ronda, dois cães pegados por um osso e três betas de argolas vestidas exactamente da mesma forma) depois, lá voltou ele. Mais aliviado, ao que parecia.
Ele aliviado e ela nervosa. Ele abriu o livro e ficou espantado, estranho café onde acontecem coisas tão sui generis, pensou. Ela com o coração a saltar-lhe pela boca, ele com a testa enrugada a olhar em volta. Mas o que é que tem o raio do papel escrito? Eu sou o narrador desta história, acho que tenho o direito de saber! Ou não? Estás a ler um livro interessante, gostei muito, se bem que ás vezes o autor cansa. Sabias que és muito giro? Desculpa o atrevimento mas gostava de te conhecer melhor.
Olhou em volta e tentou ver quem teria sido a autora da façanha. Olhou para o lado e viu um casal de namorados que olhavam para ele com cara de caso sorrindo. Na outra mesa estava uma rapariga morena de cabelos castanhos escuros lisos, de óculos de sol, que tanto quanto lhe parecia estava compenetrada num ponto no infinito. As outras mesas estavam vazias, mas tanto quanto lhe cabia saber até poderia ter sido alguém que passara na rua, até a empregada do café. E se Ela o queria conhecer como é que ele poderia dizer que sim?
Pediu um Jack Daniels, e pediu-lhe conselhos. O sorriso maroto de miúdo que está prestes a fazer asneiras, e que tão bem o caracterizava, iluminou-lhe o rosto. Entrou no café, e dois minutos depois saiu triunfante. Três voos rasantes de pombos (sobre a cabeça dos transeuntes) depois, uma garrafa de água com gás num pires, com um malmequer e um papel com “tira os óculos de sol e podes conhecer-me” escrito, chega à mesa da vizinha. A surpresa estampou-se na cara da jovem e ele teve a certeza.
Ela tirou os óculos, ele levantou-se, sentou-se na mesa dela. O casal de namorados na mesa ao lado, foi ao balcão ao pagou a despesa das três mesas. Um cigano que ia a passar tropeçou, por ir a discutir com a mulher, e partiu os dois dentes de ouro quando bateu no balde do lixo que rolou para o meio da estrada e fez com que um carro batesse num boca de incêndio, enchendo a boca de cena de água, mas nem o Leitor nem a Escritora se mexeram. Já estavam a ter uma de muitas conversas que os iria ligar um ao outro para sempre.

Algo Familiar

Tudo corria muito bem nessa noite. O álcool corria que era uma maravilha. Os seus dedos contavam a décima quinta cerveja que tinha em mãos, desde que saíra do jantar. Aos poucos a embriaguez tomava conta do seu corpo. Este movia-se num frenetismo africano ao som do “pay my dues” da Anastasia. Absorto do que à volta se passava deixava-se levar pela música e embebedava-se com ela. Rapidamente subiu para o banco corrido encostado parede, e começou a chamar as atenções para si. Não tardou muito e todas estavam viradas para ele e para o seu estado alcoolicamente muito bem disposto.
Confusamente ouviu algo familiar. O ar frio da noite toldava-lhe o pensamento, e a cerveja ajudava. Esvaziou-a do copo e encheu-o a custo na fonte junto ao Passeio das Virtudes. Repetiu o gesto de muitas noites de copos, que o tinham tornado habitue nessa fonte na penosa assunção de cerveja até casa. Prosseguiu a jornada, e os primeiros raios de luz amplificaram algo familiar, que era embotado pela falta dos benditos óculos de sol.
Finalmente acabara-se a longa subida e já na plana Rua do Rosário, prosseguiu a desenhar esses e zes pela rua fora, a reprimir-se em monólogo pelo excesso da noite. Algo Familiar tocou-lhe no ombro e perguntou se era sempre assim tão duro com ele próprio.
Acordou com a sensação que lhe tinha passado um rolo compressor por cima. A princípio não reconheceu o quarto onde estava, e nos momentos seguintes também não. Estava perdido num quarto que não era o dele, nem de ninguém que conhecesse, e ainda por cima, a meia luz não fazia a mínima ideia onde estava o bendito interruptor. Tacteou e encontrou-o na mesa de cabeceira, ao maldito interruptor! AHHH, A LUZ, gritou-lhe o cérebro quase a explodir. Algo Familiar se moveu e pareceu-lhe vislumbrar um corpo deitado ao seu lado...
E aí discerniu Algo Familiar, uma mulher bonita de arrepiar todos os pelos das pernas, a dormir com os cabelos negros em desalinho, com a alma perfeitamente enquadrada por uns olhos verde esmeralda, estava a acordar e os olhos brilhavam e sorriam de malandrice dizendo bom dia.
Olhou para si, para debaixo dos lencóis e com um ar nada ensaiado, atrapalhou-se e corou ao descobrir que nada tinha vestido. Rapidamente vieram-lhe à cabeça todas as coisas que podiam ter acontecido com ele como actor principal. Encarou-a e perguntou o que tinha ele feito. Muitas vezes, foi a resposta bem disposta dela, que se ria com atrapalhação dele.
Rompendo com todas as convenções, perguntou se também tinha sido bom para ele. Ela riu-se à gargalhada e que estava convencida que sim. Perguntou o nome à bela desconhecida, que lhe respondeu Algo Familiar. Era o nome dela a partir daquele momento, já que fora a única coisa que ele lhe dissera na noite anterior, que ela era Algo Familiar. Enquanto dizia isto levantou-se e por momentos ele sentiu-se numa galeria de arte, a apreciar peças magníficas. Na parede em frente estava A Passagem do Tempo do Dali, do lado esquerdo uma Primavera do Boticelli, e acabada de se levantar a escultura mais excitante do mundo, talhada de um só bloco como o David, mostrava em todo o seu esplendor a anatomia mais perfeita que já vira numa mulher. Ficou sem palavras com tanto à vontade e seguiu-a até à casa de banho.
Tropeçou em corpos gementes, espalhados aleatoriamente no chão da sala, e lembrou-se de um convite para uma rave. Algo Familiar abraçou-o pelas costas e arrastou-o para a cozinha. Tirou um cigarro e serviu-se de leite gelado do frigorífico tentando restabelecer a lucidez. Ouviu uma voz a dizer-lhe que gostava da sua forma de se alhear na dança da forma sexy como dançava, olhava, beijava e sorria, e viu algo familiar a ler-lhe os pensamentos, absorta nos seus. Beijou-o e deu-lhe o seu número de telefone, para quando quiseres estar comigo. Adoro-te.
Foi a última vez que sentiu Algo Familiar...

sexta-feira, 9 de julho de 2004

Euforia

Euforia, a palavra certa para caracterizar o momento. Numa cidade onde se respira futebol, não é estranho o sentimento, mesmo neste Estranho que se tornava frio quando em contacto com as multidões. Estudioso das atitudes dos outros, achava que não se devia envolver, e que o seu espírito científico devia prevalecer sobre toda e qualquer forma de emoção.
Naquele momento tornava-se impossível, e sendo arrastado pela turba em movimento assíncrono, que inexoravelmente o conduzia para um destino incerto mas ao mesmo tempo desejado, pensava – que se lixe uma vezes não são vezes.
Gritou, abraçou, chorou, tropeçou e foi calcado, empurrado, esmagado, beliscado, apalpado e sentado num restaurante para o merecido repasto, da noite. Aí a Lentidão tomou conta da situação.
Um empregado abriu uma garrafa de Duas Quintas, deixou-a respirar durante meia hora, para condignamente ser beijada pelo amante dessa noite.

É esta a beleza do vinho, tem que ser tratado como uma mulher, com carinho, recheado de atenções especiais para poder ser condignamente apreciado. Toda uma série de pequenos quês que fazem toda a diferença. É sinónimo de classe saber como escolher um vinho e que tratamento lhe dar, porque a informação pode ser transferida para o trato com o sexo oposto, o único senão é que o vinho pode ser partilhado, o mesmo não deve ser feito com as mulheres.
Pediu pato assado no forno recheado com pinhões e amêndoas, prato lento, desde o tempero ao cozinhar, até à própria carne, tornam o prato lento e extremamente requintado como a maior parte das mulheres. Está visto que este parágrafo vai ser só sobre comida, bebida e... mulheres.
Sobremesa Jack Daniel’s e um Havana, tudo muito lento... e incómodo, como o silêncio e a solidão que estava a sentir.
Salta para a rua e é abordado - deixa-me adivinhar... por uma gaja? por uma rapariga, que sem papas na língua lhe dá a mão ternamente, revelando-lhe todas as loucuras e desejos deste mundo que o rodeia, pensando que conseguiria arrebatá-lo deste marasmo consciencialista-científico que o prendia ao quotidiano com as grilhetas frias, apertadas e lúgubres do auto-conservadorismo – tanta coisa para dizer que o gajo era chato comó caraças.
Chocado puxa de um cigarro e com raiva declama todas as dores que lhe oprimem o peito, fazendo ressurgir toda a impaciência e loucura dos seus tempos de adolescente. Sem medos envolve-a com a sua alma e percorre as ruas do desejo em espirais de êxtase - daqui a pouco pareces o Richard Bach, o do Fernão Capelo Gaivota. Sorrindo, beija-a como beijara o copo de vinho, e arrepia-se com a simplicidade do toque, do sabor, da magia de um simples tocar de dois lábios.
Ri-se e abstrai-se do mundo à volta e pensa... pensa em quê? há que pensar? Que lamechas que me saíste, a moça quer é acção, tudo bem que haja um pouco de romantismo, classe and so on, mas o que é demais é moléstia. CHATO! Não pensa, porque este momento não é para pensar, e´ para sentir, viver e não racionalizar, vive não penses, sente, depois olha para trás e não julgues, assimila. Mas fora isso, pelo menos tocaste-lhe no ponto, pelo menos foi mais que uns beijinhos?