segunda-feira, 27 de setembro de 2004

Tecidos sexy?


Há tecidos que são naturalmente sexy...
A licra por exemplo, pela forma como se cola ao corpo e se torna viscosa ao toque faz-nos lembrar a textura de uma pele não natural mas muito próxima. É sexy instantaneamente.
Doutra forma o linho é daqueles tecidos que antes de se tocar na pessoa que o está a usar já estamos a antever a sensação de prazer táctil que experienciaremos. Este tecido é, de uma qualquer forma irreal que ainda não consegui perceber, semitransparente e ao toque reproduz aquilo que se imagina. É sexy por sugestão.
A ganga ao toque não é nada de especial, mas consegue ser muito sugestiva quando em contacto com outra ganga. É um tecido duro e áspero que em contacto com um similar provoca a ilusão de som, de electricidade estática. Todos os electrões se juntam numa harmonia de preliminares... É sexy por contacto.
Sugestivo, não?

sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Raivoso

Saiu de casa vespertinamente, com atitudes algo raivosas. Tinha estado, em sonhos, a matutar naquelas pequenas coisas, que todas juntas formavam uma gigantesca bola de neve, prestes a derreter com o calor da sua raiva.
Desfizera a barba com raiva e sentiu o sangue a aquecer-lhe a cara. Cortara-se. Merda, ponto de exclamação. É sempre isto, por isso é que fazer este tipo de tarefa lhe provoca raiva. Devem ser poucas as pessoas que se escanhoam por prazer.
Tomou café do outro lado da rua. No Bela Cruz, é claro. Para poder olhar, com raiva incontida, aqueles snobs amorfos e clonados, que nem sequer sabem a que sabe um bom café. Senão não tomavam café precisa e religiosamente ali! É para se poderem mostrar.
Comprou O Público e, raivosamente metódico, fez as duas palavras cruzadas e saiu. Com raiva, lembrou-se que não tinha lido o jornal. Como de costume aliás. Cento e quarenta paus para fazer palavras cruzadas e ler o Calvin. Raivoso meteu-se no carro e dirigiu-se à reunião.
Lá estava ela à espera dele. Sempre com aquele sorriso trocista de quem diz num subtil piscar de olhos, quero-te mas não te vou dar esse gostinho. Mais uma betinha armada aos caganatos. É assim que eu quero que se diga! Estou-me a cagar para os cágados, muito sinceramente! Realmente!
Era isto todos os dias. Uma menina da “socialite” (e é assim que me apetece escrever!), muito bem vestida, diga-se, olhava-o de alto a baixo, tirava-lhe as medidas e escarnecia do seu desejo. Todo o santo dia dava de caras com esta senhora. Impressionantemente olhava para ela, corava e arrancava. Até esse dia nunca tinha tido coragem para lhe dirigir palavra. Mas nesse dia raivoso, inundado por sombras violeta, parou no semáforo... e foi ter com ela. Com a mesma raiva incontida do despertar.
Riu-se. Nervosamente. O volume das calças tornou-se visível. Deu meia volta e corado voltou para o carro. Monologou e convenceu o chumaço a desaparecer. Arremeteu segunda vez e raios partam esta merda toda, pensou. O raio dos telemóveis que vibram! A sua relação com aquelas maquinetas sempre fora muito problemática. Nem por uma vez aquela volatilidade infernal lhe dera uma boa nova, ou um momento de descanso. Sempre aquele toque irritante, e ele impotente, voluntariamente não conseguindo abafar aquele misto de som e sensação. A guerra tinha sido declarada e não havia avizinhar de armistício. Atirou o telemóvel para dentro do carro.
Entretanto a senhora ria-se à gargalhada de algo que nos está a passar ao lado. Um pensamento estúpido, mas lógico passa pela cabeça do raivoso. Está-se a rir de mim. De certezinha absoluta. Atacou a rua pela terceira vez, com todas aquelas vontades de adolescente a florescerem lenta e turbilhantemente, com a adrenalina a secar-lhe a boca e a colar-lhe a língua, como se tivesse lambido uma pauta de Vivaldi, com as rosas da “Primavera” a arranhar-lhe impiedosamente a garganta e as “Quatro Estações” a cilindrar-lhe o estômago, numa azia em sol sustenido.
Engolindo o medo, num lampejo de coragem disfarçada com uma boa dose de machismo, perguntou-lhe se estaria interessada num café mais para o fim da tarde, que o desculpasse pelo atrevimento, que ele não costumava ser assim e que se calhar a menina tinha namorado, ou pior, era casada, e que não tinha o direito de a estar a incomodar desta forma e... retorquiu-lhe com uma gargalhada bem disposta e tão genuína que parecia retirada de uma farsa. Teria muito prazer, mas... não tomava café. Ele gaguejou, engoliu em seco, e reflectiu-se no seu espelho interior de miséria, vergonha, humilhação...mas terei muito gosto em acompanha-lo com uma água, disse num sorriso encantador, próprio de um flautista de serpentes.
Desajeitadamente marcou para as seis e tropeçou atabalhoadamente numa boca de incêndio e na lembrança de se ter esquecido de perguntar o nome à desconhecida. Raivosamente maldisse-se. Pensou com raiva que não tinha sorte nenhuma. Que teria que namorar com ela, que seria o fim do mundo, quer mais tarde ou mais cedo tudo iria acabar e que iria voltar à sua vidinha raivosa de sempre. Pensou que poderia ter as suas mãos em cima daqueles seios rijos como limões tisnado s pelo sol do mundo. Aleluia, finalmente ia acabar o mês de provações.
O telemóvel começou a medodiar raivosamente um excerto da Carmina Burana, a música do Old Spice, o perfume que lhe lembrava o avô. Enquanto pensava nele procurou o telemóvel em desespero por baixo dos assentos. Encontrou-o e esqueceu-se dele, do avô. Do outro lado uma voz feminina, bem disposta por sinal, dizia qualquer coisa relativa a um café e uma água.
Reconciliou-se com a maquineta e assinou o armistício.

quarta-feira, 8 de setembro de 2004

Não sei que título dar a isto...II

Acordou nessa tarde com a cabeça fora do sítio. As remelas nos olhos mostraram-lhe, sem surpresas, que nessa noite chorara durante o sono. O karaoke da noite anterior fora óptimo, com uma mulata a aplaudir-lhe sedutoramente ao ouvido, a sua prestação. Educadamente agradeceu, e ao contrário do que era hábito nem troco lhe deu.
Exagerara no Martini e sentia o estômago a amaldiçoar o excesso. Levantou-se a custo, insultando-se de bêbado e alcoólico, tomou a porta à direita e entrou na casa de banho. Pôs a água a correr na banheira, foi buscar um cigarro e os documentos que andava a transcrever e sentou-se na marquise. Abriu uma janela e o ar fresco da manhã ajudou-o a corrigir quatro palavras que tiveram o condão de explicar ao texto como devia estruturar-se para fazer sentido. Ao olhar pela vidraça viu o sol a ser enganado por uma nuvem mais atrevida. Pensou no sonho estranho que tivera, e que se tornava recorrente nessa última semana. Escolheu um CD da secretária e melancolicamente sorriu, com a escolha involuntária. Estamos saudosos de algo? “The Cult”. Escolheu a faixa e pôs no repeat.
O vapor indicou-lhe que a água já estava à temperatura. Deixou-se envolver pela água e as recordações tocaram-lhe o coração. Abriu a água fria e acordou para o dia que se avizinhava.
Saiu de casa com a ideia fixa de terminar com aquele sonho recorrente que lhe atormentava a alma.
Meteu o carro à estrada e conduziu pela marginal à velocidade do seu pensamento conturbado.
-CONTINUA DEPOIS DO INTERVALO-

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

Não sei que título dar a isto...

Acordou nessa manhã com uma sensação estranha, meio física, meio psicológica. Olhou para o lado e a cama vazia, já há tempo demais, provocou-lhe um arrepio na pele clara.
Levantou-se tomou a porta à esquerda e entrou na casa de banho, enquadrada pelo pijama masculino de tartan escocês. Rotinamente aninhou-se e ligou o rádio. Pôs um CD e arrependendo-se resolveu tomar um banho de nostalgia. Convidou Jeff Buckley e abriu a torneira. A água começou a correr e a percorrer-lhe o corpo como se fossem as mãos que tanto desejava. A sua imagem condensava-se no espelho e séries de imagens fotográficas percorreram-lhe a memória, desenterrando um passado feliz com um terminus brusco e doloroso.
As lágrimas misturaram-se numa parafernália agridoce, com a água que corria em pequenos feixes sobre o cabelo arruivado. Escorreram de mãos dadas, a doce e a salgada, em direcção a uma calma, que lhe devolvia o equilíbrio, que neste dia e nos últimos, estava cada vez mais forte e coeso, como se a corda bamba em que caminhava constantemente engrossasse à medida que a recordação ficava lá para trás, enterrada.
O toalhão turco secou-lhe as curvas do corpo, bem conservadas para quem estava no limiar dos trinta, e com um sorriso amargo afastou todas as lembranças do passado.
A indecisão sobre o que vestir ficou para trás 16 peças de roupa depois, e foi encontrar a mãe na cozinha com o pequeno almoço na mesa. Relatou-lhe o fluxo anormal de recordações, que lhe causava estranheza e um pouco de aflição.
A mãe era uma imagem, de puro brilho, fazendo lembrar com a sua boa disposição uma amora no início do Verão, avermelhada mas não madura, com muito para viver, saudando o mundo a cada dia como se fosse sempre resplandecente e feliz. Comentou então, fugazmente, que nas recordações deve dar-se importância às boas e reportar o rancor e a mágoa para as costas da vida, aprendendo, todavia, sempre com estas coisas más. Anos de amargura e pensamentos mesquinhos tornam a memória enrugada e mordaz para nós próprios.
Continuaram a conversa recordando as pequenas coisas boas que tinham alimentado óptimos momentos, naquele passado longínquo e tão próximo.
-CONTINUA NÃO SEI QUANDO-