segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

14 Euro de Táxi II

Uma operação stop. Começas a ver a tua vida a andar para trás.

“Não diga nada, deixe-me falar.”

“Boa noite. Os seus documentos e os da viatura.”

“Boa noite senhor agente, é para já.”

“O senhor sabe que vinha em excesso de velocidade?!”

“Devo ter-me distraído, sabe como é, engatámos na conversa” aponta para ti “e devo ter carregado mais um bocadinho no acelerador.”

“Pois é, mas o senhor é um profissional e não se pode distrair, vou ter que o autuar.”
Pensas na mulher que está na tua cama e resolves intervir.

“Senhor agente, se me permite, a culpa é minha. Vim do Sul em negócios e fui beber um copo. A certa altura uma ruiva, daquelas poderosas, veio ter comigo. Perguntou-me alguma coisa em inglês. Era croata. Está cá também em negócios e vai-se embora amanhã. Conversamos um bocado e eu gostei dela e ela de mim. Convidei-a para ir para o meu hotel e ela achou boa ideia. Quando cheguei ao quarto descobri que não tinha preservativos e foi nessa altura que contratei este senhor para me levar a uma bomba de gasolina para os comprar. Como vê é uma emergência.”

“Amigo, não diga mais nada, se eu tivesse um que fosse dava-lho já, mas espere um pouco que vou ver se o desenrasco.” Resultou! A solidariedade entre homens é a melhor coisa que existe. Ainda estás a tentar perceber como tiveste a lata para dizer aquilo tudo quando o agente volta.

“Falei com os meus colegas e nenhum tem, mas já ali à frente há uma bomba de gasolina que tem.”Encolhes os ombros, fechas a boca, o taxista sorri porque não vai ser multado e recebidas as indicações o teu companheiro volta a pisar no acelerador.

14 Euro de Táxi I

Baixa do Porto. Olhas para o relógio da Câmara e descobres que faltam três minutos para as cinco da manhã.

O Jack Daniel’s diz-te o que deves fazer, diriges-te ao Mercedes creme e abres a porta. Um homem dos seus quarenta e muitos está lá sentado. Barba cuidada, mas com as manchas amareladas típicas de fumador, rugas que marcam os que optam pelos turnos da noite e o inevitável casaco de cabedal preto, está a fumar e faz o gesto para deitar fora o cigarro.

“Boa noite. Deixe estar, eu também sou fumador”. Ele agradece com o olhar e pergunta “para onde”. “Vou-lhe ser muito sincero. Tenho no quarto do hotel uma rapariga lindíssima e preciso de preservativos. Leve-me a uma bomba de gasolina!” O homem arregala os olhos e irrompe numa gargalhada que te dá vontade de rir também, no entanto ficas sério o que faz com que o taxista se sinta mal por ter rido. Sorris e o ambiente desanuvia-se.

“Ok vamos a uma aqui perto que me parece que estás bem fornecida. Mas diga-me o senhor não é de cá pois não?!”

Abres a boca para falar e reparas que tens falado com sotaque do Sul, involuntariamente disfarçaste-o porque achas que deves passar incógnito nesta delicada missão. Resolves alinhar na conversa dele.

“Sou do Sul, já estudei cá, mas agora trabalho e vivo lá em baixo. Venho cá de vez em quando em negócios e hoje, quando menos esperava, vem uma mulher ter comigo, e sabe como são estas coisas…” Mentes com todos os dentes que tens na boca mas achas que foi bem improvisado. Acrescentaste que viveste na cidade para assegurar qualquer falha no sotaque e para o taxista não se pôr a dar voltas desnecessárias para te comer o dinheiro.
“Pois amigo, se eu tivesse a sua idade também aproveitava. Até é pecado recusar uma mulher que nos cai nos braços vinda dos céus. Eu, no meu tempo, também fiz das minhas e digo-lhe que nestas coisas temos é que ser uns para os outros. Estamos com azar.”

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Liga das Quecas Extraordinárias XIX

«Pedalas como se a estrada nunca mais tivesse fim. É uma recta enorme, sem fim, interminável. Ao teu lado vês mais três pessoas, que pedalam com mais ou menos esforço, mas que teimam em acompanhar a tua corrida que não tem meta definida. Sentes-te estúpido porque tens a intensa sensação que a velocidade que manténs não te vai levar a lado nenhum ou acrescentar nada ao que já sabes.

Analisas as caras de quem pedala ao teu lado e vês expressões de esforço, que não levam a nada, a lugar nenhum. Circunspectos fazem a sua viagem interior sem nenhum interesse pelo esforço que estás a fazer, pelas calorias que queimas, pela velocidade a que vais, afinal pensam o mesmo que tu, não vão a lado nenhum com aquela correria maluca, de alguma forma vão pôr os pés no mesmo lugar em que montaram na bicicleta, o mesmo espaço, o mesmo ar rarefeito pela respiração dos companheiros de pedalada.
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É apologista da velha máxima Mens sana in corpus sanus. Estava a ficar preocupado com a barriguinha que tinha vindo a desenvolver. Cerveja, muita, francesinhas e falta de exercício, levaram-no a este estado semi-vegetativo de pedalanço.

A barriga, que ao início definia como mochila, crescia a olhos vistos, e do six pack de superbock, que ele tão orgulhosamente apregoava, que trazia lá dentro, passou-se para um invólucro bem mais grave. Transformou-se numa espécie de saco amniótico com um nascituro prestes a ver a luz do dia, só que nunca mais nascia.

Como um pai babado dizia: “Se for menino chama-se Super Bock, e se for menina Heineken”. Um dia acordou mal disposto e resolveu fazer um aborto.

Foi para o ginásio, um pouco às aranhas, não fazia a mínima ideia do que lá ia encontrar ou fazer. A sua primeira impressão foi de que acabara de entrar numa exposição de tortura medieval. Ainda procurou a Iron Maiden, mas não a encontrou em lado nenhum. Aquela maquinaria toda intimidou-o, mas não o fez desistir.

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Saltas da bicicleta, olhas-te ao espelho e vês os indícios do peso da idade mas não da condição física, afinal tratas muito bem do teu corpo, não por escolha própria mas por circunstâncias da vida que a isso te obrigam. Não tens carro por isso tens que andar para todo o lado com os atributos que o criador te forneceu, pernas.
Pernas bem modeladas, perfeitas, dirias tu, não há ponta de celulite, adivinha-se através do fato de treino de malha justa, consegues identificar os músculos em esforço. A máquina de adutores dá-te uma perspectiva deles a trabalhar bem como outros que te interessam bem mais.

A humidade do suor faz com que o tecido se cole à pele sugerindo tudo e mais qualquer coisa, as pernas tentam contrariar os 35 quilos de peso mas voltam naturalmente à posição de 90 graus, a posição de parturiente. Sugestão, sugestão, sugestão. Começas a imaginar muitas coisas naquela posição. Ela repara em ti. Fecha a boca, limpa a baba. Ela sorri, ficas da cor da tua t-shirt, será que já tem dezoito anos, pensas.


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Este homem de vez em quando tem paragens de cérebro, de certeza. “Ela” como ele lhe chama está no ginásio desde que ele o frequenta. É nova, mas já tem o curso de Educação Física, por isso pelo menos 22 tem.
Ele já devia ter reparado que ela é uma das monitoras do ginásio, ou é qualquer frequentador que ajuda as velhinhas e os novos alunos com os seus programas? Este tipo, o que tem de inteligente também tem de falta de perspicácia.

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No dia seguinte entras no ginásio e está deserto mas não é de espantar, a seguir ao almoço é comum teres as máquinas todas para ti. Vais para a passadeira e escolhes o programa de caminhada/corrida, colocas a fita de medição de batimentos cardíacos e ela acusa os 134 da praxe, já em esforço.
Um ruído estranho à música chama a tua atenção. Umas calças de malha entram na sala e sorrindo vão colocar-se na máquina de adutores, mesmo à tua frente. Começam o exercício lentamente e ao mesmo ritmo o suor começa a provocar o efeito já bem conhecido. A máquina dispara para os 150 batimentos por minuto. Já sentes sangue por todo o corpo.

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Está perto dos 30. Olha para mim como se quisesse devorar-me até ao âmago. Sei que quer fazer parte de mim. Já estou farta de reparar no olhar disfarçado e guloso com que me olha e nem sei se por insegurança ou por outra razão que me passa ao lado, não dá o passo em frente.
Já há um mês que me despe com os olhos e começo a temer que isto não passe de mais de um caso inacabado para juntar aos muitos que já tenho.

Todos os dias me visto de forma a provocá-lo mas não há maneira de se chegar a mim, nem sequer dirigir-me a palavra. Há dias passou-me pela cabeça que se calhar me acha nova demais, mas que raio (!), com vinte e três anos já não se é nova, pelo menos já se sabe o que se quer e ninguém tem nada a ver com isso.

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A perspicácia que lhe falta a ele tem-na ela, afinal isto tem que ser equilibrado. Não pensem que o jovem está entusiasmado por qualquer uma. Como mediador desta conversa tenho que informar o leitor que a rapariga é um pedaço. Infelizmente, como escritor, personagem invisível que trata um por tu e ao outro não se atreve a dizer nada, já que a moça tomou as rédeas da narração, não posso fazer nada para a seduzir. Tenho que esperar sentado que aquele burro se decida a avançar, mas não lhe posso dizer nada dos pensamentos dela.

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Sinto-me mais segura, hoje surpreendi-o de boca aberta, posso até arriscar que se babava. Corou quando reparou que o fixava, não há dúvida nenhuma que me deseja da mesma forma que o desejo a ele. Sorri para o encorajar, mas nem assim investiu no que devia, acho que é altura de ser eu a arriscar.

Entrei no ginásio e, ao contrário do que é costume aquela hora da tarde, não estava deserto. O meu Adónis está na passadeira. Fico alguns segundos a admirá-lo, deste ângulo não me consegue ver. Como está sozinho está só de calções, a t-shirt repousa no chão ao seu lado. O suor escorre-lhe pelas costas em direcção ao rabo firme e bem feito. Fico excitada. Uma ideia passa pela minha cabeça e, acto contínuo, vou à entrada e tranco a porta.

Escolho a máquina que mais efeito produz nele e começo o exercício com o olhar fixo nele.
Sinto o meu corpo em esforço e mantenho as pernas abertas mais tempo do que o necessário, a humidade toma conta de mim e consigo apalpar as minhas feromonas que, em demasia, já ocupam o espaço aéreo.
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Estás… a ficar maluco! A máquina acusa 164, daqui a pouco começa a apitar feita doida. É agora ou nunca, não consegues resistir. Sais da passadeira com ela ainda a funcionar e já só consegues pensar com um dos membros inferiores.
Tonto, devido à saída repentina do tapete, diriges-te a ela e perguntas “Quantos anos tens?”.
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A pedofilia, hoje em dia, é capaz de castrar o maior dos garanhões. Respondi-lhe com a verdade, ele agarrou-me, tirou-me da cadeira, com beijos de conaisseur, despiu-me de roupas, de suor e colou-se a mim sentando-nos na máquina na sua posição fetiche por que tanto se babava.

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Bem e assim acaba. Desta vez Midas não precisou do seu toque de ouro porque a rapariga já tinha atingido o estado maior de maturidade. Todavia ele não sabia, mas também não era eu que lhe ia dar a informação.
Como escritor tenho que escrever sempre distanciado destas personagens, por muita simpatia que nutra por elas. Se me apetecer matar alguém vai-me custar, mesmo que tenha um a personalidade muito má, mas mato. E nem sei porque estou a escrever isto, afinal a aparte que interessa já está dita…»

Liga das Quecas Extraordinárias XVIII

“E não havia de o fazer porquê? É sempre a mesma merda, metes-te em cada confusão! Ia dizer que não percebo porque raio é que continuas com ela, mas a pergunta deve ser porque continua ela contigo?”
“Nisto estou como o Narciso, acho que o Penedo se humilha demais. Já viste a quantidade de merda que tens feito? Passas a vida nisto!”
“Olha que tens muita moral para falar, a roubar namoradas aos outros, que nem sequer é roubar porque dás a queca pões-te a andar. Para além disso nunca disse ao Penedo que ela era a única mulher da minha vida. Ela fica irritada é por as outras pessoas descobrirem as minhas facadas.”
“Não estamos aqui para julgar ninguém, por isso vamos tentar descodificar a última intervenção da noite, afinal já sabemos que temos de estar atentos para perceber o que o Midas escreve.”

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

Medicina, Piso 8 cama 15

Às três da tarde entrou na recepção do hospital uma rapariga que aparentava uma idade que se enquadrava no espaço etário entre os 20 e os 30 anos. Dirigiu-se à recepção, disse o nome do doente que vinha visitar, perguntaram-lhe qual era o parentesco e pediram-lhe uma identificação como contrapartida para obter o cartão de visitante.

“Esposa” declarou. “Não tem um cartão mais recente” perguntou o funcionário, “não, é tudo o que tenho comigo” respondeu a rapariga, que pelo que vestia parecia ser contemporânea do cartão que apresentava, ou então retirada dos confins de uma serra esquecida pelos homens. O recepcionista encolheu os ombros e deu-lhe o livre-trânsito para medicina, piso 8 cama 15.

Caminhou, arrastando as socas com ruído, como se não sentisse quem passava por ela, mas quem por ela se cruzava também parecia não dar importância à sua presença, muito embora fosse uma personagem descontextualizada daquele ambiente. Como se conhecesse o caminho dirigiu-se ao local definido pelo recepcionista e excitou a sua memória numerária para identificar o 15.

Entrou e viu três camas com três cortinas a fazer meia separação entre os três corpos que ali descansavam. Aproximou-se da cama que ficava entre a 14 e a 16 e afagou a cabeça do homem que lá estava deitado. Sorriu ternamente e sussurrou-lhe “então homem, como estás?”
O homem deixou de olhar para o vazio e perguntou-lhe o que fazia ali “como vieste, que estás aqui a fazer” resmungou com surpresa.

“Vindo, omessa! Não me digas que não estás contente por me ver?”. Tirou-lhe os tubos todos e em segundos aquele velho corpo começou a respirar melhor, da posição de decúbito dorsal, a que estava condicionado há já largos anos, saiu e sentou-se na cama olhando de frente para ela, com um brilho radioso nos olhos.

“Hoje vais ter alta” disse a rapariga “até tenho aqui o cartão para ti.” Estendeu-lhe um cartão azul celeste que foi aceite com um sorriso de garoto. “Nem preciso de roupa, estou tão farto de aqui estar que vou mesmo de pijama.” Levantou-se e agarrou a mão da rapariga, saiu porta fora e quando transpôs o limiar, olhou para trás e viu, entre a 14 e a 16, o corpo de um octogenário, seco, já sem respiração, olhos a fixar o vazio, balão esvaziado de tanta vida, sofrida e completa... Feliz.

Olhou para o lado e viu a sua esposa de há sessenta anos atrás, perdida cedo demais, a dizer-lhe com o olhar “finalmente juntos, foste teimoso mas estás comigo, para sempre.”

Liga das Quecas Extraordinárias XVII

Dez minutos e muitos quilómetros depois, tinha ultrapassado dezasseis carruagens com esforço, devido ao balanço pendular imprimido pela velocidade do comboio aliada ao esforço dos carris em manterem o monstro metálico na linha.

Pedi uma cerveja e sentei-me no sofá semicircular que parecia retirado de uma casa de alterne. Dois goles na cerveja e entrou o reflexo da ruiva e um segundo bastou para o corpo se juntar à imagem. Olhou para mim e acenei-lhe com a cabeça.

Pediu uma cerveja e pensei “é cá das minhas”. Com um olhar sugestivo sentou-se no banco virado para o exterior. Pelo reflexo da janela íamos medindo forças, não desviávamos o olhar e com paciência tentávamos reconhecer no olhar alguma coisa que nos desse coragem para dar o primeiro passo.

Devem estar a pensar que estou a fazer filmes onde eles não existem e com frequência é assim... Quando necessitados vemos convites e sedução em todos os olhares e assim estava a acontecer.
Nem por momentos me lembrei que tinha namorada. A emoção de uma mulher nova, de uma conquista, corria já no meu sangue a toda a velocidade, ultrapassando o comboio.

Levantei-me e segui para o meu lugar. A covardia estava a conduzir-me, decidira não arriscar. Já perto da minha carruagem reparei no reflexo das portas que estava a ser seguido, por ela.
Abri a porta da casa de banho e vi os olhos dela a fixar-me. Entrou sem uma palavra, beijou-me avidamente e em frémitos de prazer desapertou-me as calças, levantei-lhe a saia de ganga…

Trezentos e trinta e sete gemidos depois, abri a porta e ouvi “podias ter sido mais discreto, ouvia-se na carruagem do bar”. Joelhada nos tomates, soco num olho, olhar de desdém para a saia amarrotada e foi-se, comigo atrás dela, a gemer agora de dor.
Perdoou-me.”

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Liga das Quecas Extraordinárias XVI

O grupo olhou ansiosamente para Tântalo, começava a remexer nos seus catrapássios. As suas histórias costumavam ser uma mescla trágico/cómico, com alguns laivos de loucura saudável.
“No dia 29 de Dezembro meti-me no comboio com destino a ******, com o intuito de passar o fim de ano num sítio diferente. Sentia-me cansado de fazer sempre a mesma coisa, ver sempre as mesmas caras, respirar o mesmo ar, e não me ia fazer mal mover-me num ambiente diferente.

Apanhei o comboio rápido a meio da tarde, e como a viagem demorava pelo menos quatro horas, recostei-me confortavelmente, na medida do possível, no meu banco, com o Penedo ao meu lado, encostada ao meu ombro.

Acho que não há necessidade de explicar como as mulheres tornam as coisas mais difíceis do que elas tem que ser. É fodido quando temos namorada nestas alturas. Ninguém no seu perfeito juízo leva areia para a praia. Queremos ir para a rambóia com os amigos, conhecer outras pessoas, de preferência do sexo oposto, mas a namorada começa com aquela chantagem psicológica que só ela consegue fazer, ela e todas as namoradas do mundo. Choraminguices, lamúrias, “não gostas de mim”, “dás mais importância aos teus amigos que a mim”, maldito umbiguismo!!! Olhar para o seu próprio umbigo é nestas situações uma característica eminentemente feminina.

Então, e como era inevitável, bati o pé, discuti, esperneei, e acabei por lhe fazer a vontade, mais uma vez. Não há nada mais desgastante que o capricho de uma mulher, às vezes preferia que um abutre me devorasse as vísceras todos os dias, o efeito seria mais suave, nem nada tão eficaz como a vontade delas, senão vejam o papel de Helena na guerra de Tróia.

Estava eu a considerar alguns dos aspectos da minha tese, quando descobri um olhar feminino que me ia fixando com atenção. Tinha cerca de quarenta anos, cabelo pintado com aqueles reflexos de acaju, olhos castanhos e uns lábios finos mas bem desenhados. Não obstante a idade estava bem conservada e pela roupa que usava, notava-se um gosto requintado mas descontraído.

A certa altura o olhar dela começou a desconcentrar-me. Ao meu lado, a minha senhora já ressonava com suavidade, e já que estavam a tentar gozar comigo ia entrar no jogo. Olhei-a com interesse e sorriu enigmaticamente, tirou um cigarro e anuiu com um gesto da cabeça. Com suavidade desviei a cabeça da minha companheira e segredei-lhe que ia ao bar.