quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Husky


"Interior de restaurante" Vincent Van Gogh - 1887

O cinzeiro vai a meio e não é propriamente pequeno, o que faz pensar que está a fumar demais. Duas raparigas estão sentadas e ela tenta não prestar atenção à conversa mas é inevitável: está-lhe no sangue.

- Acreditas que aquela besta – sim, porque não há melhor nome para o classificar – me disse que não vai deixar a outra?!

- Já te tinha dito, eu já te tinha visado que ele não era de confiança. Está-te a enganar desde o início e só tu é que não percebes.

- Sabes muito bem que gosto dele e não consigo resistir aquele olhinho azul…

- Não sei o que passou pela cabeça para te meteres com um husky. Já lá dizia a a minha falecida avó: “Não confie em alguém que tem vistas uma de cada cor”.

Maria franze a testa e disfarçadamente apura o ouvido.

- Ontem, depois de estar comigo, chegou a casa e mandou um cento de mensagens a dizer que ia falar com a mulher, que me amava, que já não aguentava mais aquela situação, e hoje, ao almoço, diz-me que quer ficar comigo mas que não pode deixar a a mulher, coisas de dinheiros e tal.

- Francisca, já te tinha dito que era isso que ia acontecer, só não sabia como. Ele é um cobarde.

- Neste momento está numa reunião com um cliente belga; havia de lhe correr mal. Que ódio!

Maria pega no telemóvel e varre os contactos.

- Querido… Estás ocupado?

- Sabes bem que sim: estou na reunião com o belga.

- Desculpa, só te tomo um minuto.

Levanta-se e aborda as raparigas, bem mais novas que ela; estende o telemóvel à mais alta.


terça-feira, 29 de novembro de 2005

Tiro às claras


Vejo carros a estacionar e tento vislumbrar, entre as gotas de chuva que cobrem os pára-brisas, a cara que procuro.

Está próximo o momento e a ansiedade salta-me do peito. Uma dor boa, muito boa, que me confunde e raia as margens da angústia.

É estranho, muito estranho, teimo em não trazer o colete à prova de bala, quero enfrentar a situação de peito aberto. Muitas vezes tive medo e rezei para o chumbo me atingir, mas não havia mão para premir o gatilho.

Abro a porta e a música dá-me as boas vindas: Morcheeba, how convenient. Escolho a mesa e sei que dentro em pouco vou ser abordado. O sinal já foi predefinido e tenho a certeza que não vão precisar de o usar.

Acho que estou pronto mas um calor estranho enrubesce-me a pele da face. Sinto a pele a latejar e as certezas escapam-se por entre os dedos como grãos de areia coligados com melaço (agarram-se e soltam-se).

Tento não olhar apara a porta mas não quero ser apanhado de surpresa. E não sou…

A arma é empunhada e dispara enquanto um sorriso se afirma no olhar dela. Agarra-me, num abraço desesperado, como se quisesse evitar que as pessoas que nos rodeiam ouvissem o baque do meu corpo no chão.

Era tarde, todos ouviram o disparo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Feromonas


"Legs in purple and blue" Kelly Borsheim (2005)

Não sabia o que o esperava. Os carris do Metro indicavam uma via de sentido único e na ideia deslizava-lhe uma amálgama de emoções difusas. O risco não é calculado, é um completo tiro no escuro, só lhe resta mergulhar de cabeça e esperar que a piscina tenha água suficiente.

Sentia-se como que coberto por mel: as feromonas, adormecidas, fervilhavam e as mulheres com que se cruzava reagiam.

- Posso ajudá-lo?

- Não, muito obrigado.

Responde à menina simpática com lábios de colagénio, botox, silicone - não sabe (nem quer). Está só, acompanhado pelos pensamentos; entrou na loja só para se distrair. Necessita de ajuda mas não daquela que a rapariga pode oferecer. Precisa que o relógio avance com celeridade para a hora marcada.

- Esses ténis ficam-lhe muito bem – interrompe a rapariga pela segunda vez.

- Eu sei, já os tinha visto da última vez que cá estive.

A resposta seca, bem-educada, afasta a rapariga e leva-a a achar que perdeu o encanto do metro e oitenta e das pernas demasiado bem feitas para ser verdade.

- Pode reservar este modelo, número 44? Amanhã passo cá.

- Não costumamos fazer isso mas posso abrir uma excepção consigo. Se mudar de ideias ligue-me: é o meu número pessoal – sorri enquanto lhe estende o cartão e o convite com Carla como pano de fundo.

E agora para algo completamente diferente!

Mais um blog.
Como Relações Públicas do Kastru's Bar, e depois de um concerto genial, decidi criar um blog para dar a conhecer o que de bom se faz na música portuguesa na minor league (major league para mim).
Passem por lá, no (local cibernético) e espero ver-vos em carne e osso no local físico.

IMG_0072
Foto tirada por este senhor

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Votem


Votem no Webcedário que eu contra gajas nuas não tenho hipótese, nem quero.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Cãozinho da palha



Personagens:

Miguel (pode ser um qualquer)

Carla (definida; indomada)

Não havia ponta de interesse; parafraseando a ex-namorada, que lhe assaltava a mente com demasiada frequência, “não estava para amar”. Quando se sente assim parece que as mulheres brotam da terra. O estado letárgico-amoroso é naturalmente afrodisíaco.

Carla é ruiva e bem feita, olha para ele com olhos de carnívora. Não lhe chega o que tem em casa; só lhe apetece comer fora e pelo olhar ele vai ser o prato principal.

Não se manifesta, vai dando sinais muito explícitos da intenção mas para ele são setas de Cupido demasiado rombas.

A sedução está encriptada. Ela sabia exactamente como conquistar um homem, e à vista dos resultados, sente que perdeu a habilidade, já que este continua isento. Pensa que teve sorte em ter conseguido agarrar aquele que tem em casa.

Ele, na indiferença impiedosa, vai ferindo o orgulho desfasado de alguém que lhe devota uma admiração obsessiva e tem um cuteleiro (não é uma escultura) em casa.

Um dia guiando-se com uns bagaços, perde a vergonha numa curva do caminho, e por atalhos que têm tendência a bifurcar-se, bebe dos lábios dele a paixão e a revolta.

Miguel não concorda com a ideia de acrescentar apêndices ao cuteleiro e manifesta discordância, não sem antes lhe ter arrancado a asa delta e arranhado as costas com o granito frio da calçada.

Chovia lá fora e, partido o retrovisor do passado, ela sentiu-se leoa satisfeita. Tempos passados tocou-lhe à campainha com a intuição que ele tinha algo para lhe dizer. Desejava um numa mão e outro no bolso. Um enchia-lhe a carteira e o outro o corpo.

Miguel, que era muito raro perceber este tipo de jogos, disse-lhe:

- Não sei o que queres da vida, mas eu nunca vou ser número dois. Serei sempre Um e tu não conseguirás satisfazer-me nesse campo. Precisas de dois.

Cãozinho da palha: termo usado em Lisboa para quem não come nem deixa comer.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Emc05



Há textos que nos sacodem e nos motivam para a escrita. Os amigos tem este condão, sejam eles aqueles escritores que lemos por referência ou por curiosidade, mas é bom saber que temos aqueles que nos atingem o coração com uma frase e nos emocionam.
Este texto é escrito a quente tal como o comentário.
Gosto dos meus amigos, amo-os.


Miguel de Terceleiros said...

Pela primeira vez não tenho necessidade de ler os outros comentários ou qualquer link que ponhas.
Sabes que sou por demais influenciável, e ler o que tu escreves deixa-me confuso.
Um dia disseste para eu ler esse senhor que linkaste hoje, e ao mesmo tempo disseste que era melhor não porque ia mudar por completo a forma como eu vejo as coisas.
Por isso não vou ler.
As lágrimas queimam-me as mãos e acho que já não sei escrever.
Não quero ser o que sou mas quero ser o melhor que as minhas capacidades permitirem, nem que seja por 15 minutos.
Choro porque te amo e a toda a gente que o merece e porque sinto a força a esvair-se por todos os poros do meu ser.
Um dia acordei e sonhei que não era eu e destestei-me. Nessa realidade sonhada acordei e matei-me com todas as mentiras que para mim eram verdade. A ficção transformou-me nisto e é aquilo que serei, e isso...



faz-me sorrir.
AMO-TE

Peneda

Mapa
Para quem não sabe onde foram tiradas as fotos que foram postas ontem aqui está. É naquele círculo branco no mapa onde diz Serra da Peneda.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Serra da Peneda

Ar puro por todo o lado
Uma caminhada que faz bem a toda a gente

Fico sem respiração por duas razões: acabou a subida e deparo-me com isto
Espreita aí Peneda que já falamos...

Se tivesse trazido a tenda era aqui que ficava.
Cavalos no topo da serra. Andam à solta de Abril a Outubro.

O topo na bruma. Sou maior que as nuvens.
Chegado ao cume da montanha, agora é só descer.

O que é aquilo lá ao fundo?
O Lago da Peneda, já do outro lado da montanha.

I don't Want a Ring on this fingers
Reza a lenda: quem conseguir colocar uma pedrinha
em cima deste rochedo, casa no espaço de um ano.


Espelho meu, espelho meu, há paisagem mais bela que eu?
Se Narciso estivesse aqui afogava-se outra vez.

Gargantas
Água não falta, sabia bem era uma cervejinha.

Para desenjoar de tanta letra partilho algumas fotos minhas, agora vossas.

Um truquezinho... pousem o ponteiro do rato, sem clicar, em cima da foto.


segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Razão


É só para dizer que na sexta-feira a razão foi minha.

Rascunho


"Dark sea" Wendy Jones

Foi o seu primeiro amor sem sombra de dúvida. Não daqueles amores platónicos, de beijinhos ou esvaziamento intelectual, mas empenhado, obsessivo, hedonista…

Nem sabia que as situações se podiam desenrolar com aquela rapidez mas embrenhou-se com ela numa floresta da qual seria difícil encontrar o caminho de volta.

Tivera inúmeras namoradas mas nenhuma como aquela. Toda a ideia de romantismo que sempre lhe prurira as sinapses, estava presente e ela a mulher ideal (aparente).

Inteligente, culta, causa de muita baba na rua… Que mais queria ele?!

Ficou maravilhado com a casa dela: simples mas bem decorada, uma penthouse com janelas para a cidade e paredes forradas a livros manuseados. Nunca tivera dinheiro para comprar livros e dava-lhes muita importância e tinha ali à sua mercê uma infinidade de títulos, que sempre quisera descobrir, acompanhados por uma pessoa com quem os podia comentar.

Era tudo perfeito demais. Dois meses volvidos do início do idílio, ela tentou cortar os pulsos e conseguiu. Encheu a banheira de água quente e lá tomou o que pensava ser o último banho, de sangue para lhe corar a pele branca, sem sucesso.

Ele chegou a tempo e curou-lhe as feridas mas não a alma. Algo começou a perfurar o coração. As dúvidas entraram e lá se enraizaram. Afinal que amor era aquele que a levava a abandonar a vida? Todas as juras destruídas, postas na forma de promessas quebradas.

Ela… Amava-o e por isso abandonava a vida. Carregada até à boca de anti-depressivos, que ele desconhecia, achava que seria melhor sair do mundo. Alienar-se não era o caminho e fazia-o todos os dias com prozak’s e outros que tal. Sofria com a habituação e não queria que ele sequer sonhasse com a doença que lhe destruía o espírito. Disfarçava a má disposição e por vezes, muito poucas, tinha momentos de sincera alegria, quando se deitava nos braços dele com a cabeça no peito, pele com pele, a sua almofada preferida.

Na sua cabeça, algo devorava os bons sentimentos. Não podia deixar que a doença que a consumia fosse partilhada por ele, para doente bastava um e estava disposta ao sacrifício.

Ele compreendera as razões mas não aceitou. Descobriu como ela pensava e com paciência, esforço e dedicação tentou ajudá-la.

O cérebro só funcionava para ela. Todos os momentos eram dedicados a formas de contornar os obstáculos. Inevitavelmente os sintomas socaram-no, primeiro com pouca frequência e com o tempo todos os dias.

A alegria e o optimismo não eram suficientes para contrariar a tendência, sentia-se impotente, demais.

O paraíso adquiria contornos de Inferno. A violência psicológica pesava-lhe e o corpo recusava-se a qualquer tipo de alento. Nem a preciosa ajuda da mãe tinha forças para inverter a maré, estava a vazar e não havia ciclos de 6 horas; acabaria a seco se não tomasse uma atitude.

Uma tarde de sol chegou a casa dela e encontrou-a nas trevas do quarto, estores corridos, num breu que queimava a alegria. Fez-lhe uma cena de ciúmes com um cabelo loiro agarrado à camisola. Percebeu que o fim estava próximo e a solução no fundo do túnel.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Time bomb


"Medusa" Caravaggio, 1590

- Bem disposto?

- Acordei, resmunga.

A pausa parece longa demais mas o estado de espírito dele não dá para mais. Ela devia saber que é melhor deixá-lo respirar, saborear a cafeína e os aditivos do tabaco para deixar que a boa disposição (neste caso a tolerância) venha ao de cima.

- Porque é que não levas a camisa que te comprei na Don Colleto este fim de semana?

- Porque já tenho esta vestida. Engole mais um bocado de queijo e tira uma passa do cigarro.

- Choveu esta noite…

- Sim, ok. Pensa

“Será que ela hoje não se cala? É todos os dias a mesma coisa mas já devia saber que quando acordo assim não adianta.”

- É que se levares as calças beige vais sujá-las todas…

(1,2,3,4,5,6,7,8,9,10)

- Ok, já percebi. As letras desenham-se no cérebro com clareza e simetricamente desenhadas como que a apelar à calma. Sai da sala de jantar com um bocado de queijo na boca e volta dois minutos depois com umas calças de ganga e a camisa sugerida.

- Assim não estás melhor?

(1,2,3,4,5,6,7,8,9,10) “Cum caralho, não basta foder-me a cabeça para ir mudar de roupa como ainda quer que lhe dê razão.”

- …

Abre o maço acende outro cigarro, enche a chávena de café, pega no jornal.

- Outro cigarro?! Acabaste de fumar um. Acordaste à meia hora e já é o segundo. Tens que te controlar.

(1 soco no nariz, 2 pontapés nos rins, 3 dentes partidos, 4 dedos decepados, 5)

- Estás-me a ouvir?!

- Estou (5 cavalos a esquartejar-te).

- Logo passas lá pelo escritório e vamos às compras, depois jantamos no shopping.

- Como é que é?

- Não ouviste?

- Pareceu-me ouvir as palavras compras e shopping na mesma oração. Não foi isso pois não?

- Foi exactamente isso e livra-te de não estares lá a horas!

Engole em seco e sai porta fora.

- Lá estarei, dispara ao bater a porta.

Continua...


quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Alfaiate


"Woman at the mirror" - Sigmur Polke, 1966

Por entre as pedras da levada corriam pequenos fios de água. Não era muita mas era de alguma forma suficiente para alimentar os pequenos insectos que pairavam na água. Há quem lhes chame alfaiates e nunca se percebeu a razão de tal nomenclatura.

Com delicadeza pousam os apêndices na água e aos poucos, com as movimentações, vão tecendo cortinas e mantos de água. Com muitos insectos desta espécie tecer-se-iam massas brutais de água mas, como neste momento há pouca também há poucos alfaiates, assim o rio está condenado à seca (pelo menos até à próxima estação das chuvas).

Há uma reciprocidade entre os alfaiates e a água, são eles que a criam e ela é o seu combustível.

Os fios de água em contacto com as pedras da levada, dão origem, como num ritual de acasalamento e criação, ao lodo e ao musgo. Os alfaiates, com as inveja no olhar, desejavam ser eles a tecer o musgo, mas deviam contentar-se com a sua missão: criar água para criar lodo e musgo.

Nesse dia o sol estava alaranjado, melhor, quase castanho, fruto do fumo e da cinza que conjugados davam uma tonalidade estranha ao ambiente. Aos poucos as árvores foram ficando cinzentas, o verde desapareceu e, a partir de um certo momento, não se via um palmo à frente do nariz.

As gotas escorreram-lhe pelo corpo acariciando com cuidado a pele e, por momentos, criou-se a ilusão que seriam estas mesmas gotas a esculpir aquele belo corpo. Com a delicadeza à flor da pele sacudiu as formas que não sendo as perfeitas conseguiam encarcerar o olhar.

Querer o que é perfeito é uma perda de tempo. É preferível desejar algo à mediada das nossas capacidades porque tudo o que é perfeito, no fundo, tem um defeito que vai desiludir.

O cabelo molhado tornava-a sexy. Ela é sexy, mas a forma como o cabelo caía sobre a cabeça bem feita, tornava-a infindavelmente desejável. Os olhos castanhos, consoante a quantidade de luz que sobre eles incidia, podiam atingir uma tonalidade de verde azeitona, adquirindo aos poucos nuances hipnóticas.

Desde o primeiro momento em que foi vista soube que era desejada e ele não precisava de saber, estava-lhe no sangue.

Bonita, genuinamente bonita, com sorriso enigmático e um olhar que por vezes lhe trespassava o coração e outras a alma.

Não se conheciam pessoalmente mas, de alguma forma, sabiam muito sobre o outro. Há empatias que assim funcionam.

Ele, galante e movido pelo Super Ego a que não resistia, ia-lhe dizendo, com o olhar, todas as coisas bonitas que tinha guardadas há muito tempo, à espera de alguém muito especial.

Não que ele quisesse ficar com ela até ao fim dos dias, não era desses, mas gostava do que via, acima de tudo, do que observava.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Platobot


Vem daqui

Algures num laboratório de engenharia de sistemas informáticos

- Acho que temos que modificar um pouco as emoções disto.

- Explica lá isso.

- Bem, eu acho que temos que ser mais específicos. Acho que podíamos aliar ao comportamento do robot mais alguma coisa.

- Estás a ser muito vago.

- Não há dúvida que o algoritmo está a funcionar mais, mas os utilizadores pedem um pouco mais. Não vês a insatisfação deles. O programa reconheceu que chega uma altura que o platonismo não chega. Tem que ser calibrado com alguns estímulos visuais ou então a pessoa do outro lado vai desistir.

- Achas que sim?!

- Claro que sim. Vê lá: se estiveres a ser seduzido por alguém e ficares pelo beicinho mas não chega a acontecer nada de físico o que é que tu fazes?

- Salto fora e parto para outra. É tão simples como isso.

- Pois. Agora vê. O algoritmo identifica as emoções das pessoas nas palavras escritas, depura-as e descodifica-as com a inteligência artificial, criando uma resposta automática que faça com que o cliente fique “agarrado” e continue a escrever. Tudo muito bem até um certo ponto.

Temos dois tipos de pessoas: as que gostam deste tipo de relação sem nome, sem cara, sem sofrimento directo e ficam dependentes; as que gostam deste tipo de jogo mas quando não tem os estímulos necessários fazem como tu e partem para outra.

O tipo 1 (chamemos-lhe assim) está garantido, há-de continuar embeiçado e cliente; o tipo 2 não porque se cansa e eventualmente desistirá.

Ora para agarrar o tipo 2 temos que ir além do que já temos, e no fundo temos os recursos. Se conectarmos o platobot ao ibot, partilhamos a base de dados conseguindo prolongar a dependência.

- Estou a perceber, mas como tencionas conectar os dois, que resultados esperas?

- Se criarmos um algoritmo que descodifique as preferências estéticas dos utilizadores, podemos criar uma imagem no ibot da pessoa que escreve os mail’s e consequentemente estimular a retina dos utilizadores. Pelo menos já não é um fantasma, uma máquina, uma coisa sem cara.

- Achas que a base de dados geral tem a informação necessária?! É necessário um volume de informação brutal para criar uma imagem satisfatória. O hedonismo não se contenta com pouca coisa.

- A base de dados pode estar incompleta mas não te esqueças que o platobot de cada vez que envia uma mensagem introduz um trojan no mail do receptor e varre todos os mail’s, catalogando toda a informação. Como todos tem servidores de mail com mais de 2 gb de espaço guardam lá toda a informação, pessoal, profissional, you name it.

O que precisamos de fazer agora é mandá-lo filtrar conteúdos emocionais dos outros mail’s que não os nossos.

- Isto já me está a dar ideias! Podemos a seguir a isso pôr o platobot como contacto de messenger!

- As possibilidades são imensas!

- E eu que pensava que isto era pouco ético.

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Mail

Dois meses depois.

Sabes bem que desde o início me fascinaste mas esta relação pseudo-cibernética (que estou eu a escrever?!) efectivamente cibernética, e disso não há dúvidas, não tem muitas pernas para andar, pelo menos assim.

Porventura, para ti, será fácil mas para mim não é. Já experimentei andar com canadianas, com cadeira de rodas mas nenhum desses auxiliares é satisfatório.
Por muitas vezes te sugeri um encontro físico mas estou a ver essa possibilidade a anos-luz de distância.
Quero que saibas que estou apaixonado por ti, que se era isso que querias conseguiste, e se gostas realmente de mim, revela-te; encontra-te comigo e depois logo se vê. O que é certo é que eu não consigo aguentar mais esta curiosidade e impasse estúpidos.

O teu

(ilegível)


To Be continued

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Mail

“Recebeu uma nova mensagem de €£&$@”.

É indiferente que sejam letras ou números, até podiam ser 1’s e 0’s, on’s e off’s (e não é disto que se trata?), é um email. A curiosidade, em menor ou maior escala, pode protelar a sua consulta mas, mais tarde ou mais cedo, acabará por consultar a caixa de entrada e saber do que se trata. Muito naturalmente, se o assunto for “penis enlargement” ou afins, será movido para o lixo (quer dizer que o filtro não está a funcionar correctamente), senão lê-se, arquiva-se ou apaga-se.

Até pode ser daqueles que ficam na caixa durante uma semana ou duas, aqueles que te FW no assunto, e que depois é visto com todos os outros da mesma categoria.

Não vamos esperar afinal está à espera deste email, daquela newsletter diária de paixão, sedução, que o motiva. Sabe que há uma pessoa sem cara, cheiro, aparência que todos os dias escreve só para ele.

Sem cobranças, ciúmes, compromisso, dirige-lhe todos os dias cerca de meia página de mistério e revelação e ele gosta.

Há meses que troca palavras com esta desconhecida. Correcção: não troca, dá. As suas palavras são dadas, são para ela e só para ela. Tanto quanto lhe é dado a saber é uma desconhecida; também pode ser um desconhecido, mas já nem está preocupado com isso. Escreve como uma mulher, exprime-se como uma mulher, esconde-se como uma mulher e ele não se importa se for um homem: já tem as defesas preparadas.

Para ele é mulher.

Declara-se jogador defensivo neste jogo de teclado e rato e não se preocupa, sabe que está protegido. Aos poucos vai tentando retirar novos elementos da ilustre desconhecida e vai conseguindo,

Apesar de tudo é uma pessoa inteligente e os tempos de viciado no mirc serviram para alguma coisa: deram-lhe calo.

Abre o mail. Como sempre é o seu pequeno-almoço mas tenta não estar a comer quando o abre: há frases que o podem engasgar. Fuma o primeiro cigarro da manhã enquanto lê.

O conteúdo é aquele que esperava e em simultâneo deixa um gosto inacabado na língua, na boca, na pele.

Que raio, que mais posso eu dizer, como dar o passo?

Lê, relê e responde.

To be continued

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Festival




Cronologicamente pareciam sete ou oito da manhã, mas o efeito do álcool deixa sempre uma anacronia suspeita no relógio biológico dos festivaleiros. Estes dois sorvedouros de cerveja, como todas as noites – madrugadas - carregavam o fardo corporal em esforço para tenda.

Várias vezes tinham caído ao rio, mas esta noite a surpresa, que as havia todas as noites, havia de ser postulada em moldes diferentes. Ao fundo, lá muito ao fundo, na direcção que parecia ser a da tenda, vinham, sons hipnóticos, fruto de Djembé's, panelas, Djiridou’s, e tudo o que permitisse entoar som para a continuação da festa. Os concertos nunca fecham a noite, enquanto houver alma há festa.

Hipnotizados deixaram-se levar e chegam às lonas que serviam de tecto há já três alcoólicos dias. Cá fora, o caos tinha sido espalhado com fuminhos de perlimpimpim. Dois dos colegas, dançavam de boxers ao som da parafernália musical que ecoava no pequeno vale. Com uma máquina digital iam registando imagens para a posteridade.

Não se desafia o caos, junta-se a ele senão quebra-se a corrente e destrói-se o equilíbrio cósmico.

Os dois recém chegados juntam-se à festa e começam a aliviar o corpo das vestimentas empoeiradas. Do nada, duas das vizinhas - eram cerca de doze raparigas de Barcelos, “as porquinhas” dado que eram baixas e gordinhas - juntam-se à festa mantendo o pudor. Perguntam ao grupo:

- Há vinho?!

- Há mas só trocamos, rosnou Pepe.

- Martini, pode ser, voltou ao ataque a vizinha.

- Ah pois, disse Miguel inundado de alegria só provocado pela sua bebida preferida.

Feita a troca, Miguel abre a garganta e bebe de uma só vez o conteúdo da garrafa. Dois segundos bastaram para ter um acesso de loucura e começar a tirar a roupa. Pepe adivinhando-lhe os pensamentos já o tinha feito.

As vizinhas ficaram primeiro de boca aberta, mas logo de seguida pega na mão de Pepe e leva-o até uma das tendas e começa a chamar:

- Ó fulana, olha o que tenho aqui para ti!

A rapariga, ensonada, abre a tenda e dá de caras com o badalo de Pepe. Cara de espanto e de susto. Nestas lides dos festivais, ganhou o epíteto de Capitão Sacos, por ter os sacos maiores que a compra.

Pepe apanhou igual susto ao olhar para a cara da assustada e bate em retirada. Junta-se a Miguel e vão os dois comer uma sandes mista, nus com a mão no bolso, enquanto vão dançando ao som das cores do amanhecer.

Nunca mais viram “as porquinhas” mas elas não se devem esquecer.

Viram foi o filme com todas as peripécias; Zundapp estava a filmar toda a brincadeira.

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

10.29 Am

“Às vezes parece que está na lua mas faz tudo direito, bem demais. Por vezes sinto inveja da capacidade de trabalho dele e ridícula por lhe estar sempre a perguntar se já fez isto e aquilo… sou insegura. Gostava de saber em que pensa; neste momento nem por isso.
Ressona que se farta! Já ouvi muito boa gente a ressonar mas ele é um exagero; pelo menos tem um defeito. Vamos lá a ver se é desta que me ouve.”
Miguel… Miguel, grita enquanto bate à porta pela centésima vez. O ressonar acaba e Miguel abre a porta só de boxers.
- Temos um problema com um carro.
“Coitado, estava a dormir mas isto tem que ser resolvido já e eu não consigo. Um decanter vazio… patife, bebeu-o sozinho! Espera que já vais ver.”
Deita-se na cama ainda quente e espera que se resolva a questão. Miguel pousa o telemóvel e inexpressivo deita-se ao lado dela; passados segundos sente-lhe o corpo quente encostado à pele. Adormece e volta a ressonar.
“Como é possível, será que não me acha atraente? Uma mulher que se deita na cama de um homem está à espera de algo! Ou isso ou então já não percebo nada.”
Passados uns minutos com o rei da selva a roncar, procura reservas de amor-próprio e vai para o seu quarto.

O sexo é uma das necessidades básicas do ser humano. Custou, mas acabamos por reconhecer e na sociedade actual encaramos isso de uma forma cada vez mais natural. O equilíbrio é sempre importante: abre-se uma porta fecha-se outra; a sedução para tornar as coisas mais difíceis e saborosas, quando se alcançam, encriptou-se. Já ninguém sabe como agir, mas resume-se tudo a instintos básicos.
Os animais, como os humanos usam o sexo para um fim específico, a continuação da espécie. Para isso as fêmeas procuram um macho fisicamente forte, mal disposto, com carácter agressivo para que as suas crias possam sobreviver. Não procuram machos fracos e lamechas porque à partida intuem que se os genes (nem sabem o que é isto) forem transmitidos as crias não terão a mínima hipótese de vingar. Em contrapartida, com um macho agressivo…
Daqui vem o ditado “ Quanto mais me bates mais eu gosto de ti”. Homens e mulheres querem é personalidades fortes.
O que acontece com a relação homem/mulher (salvo raras excepções) é que a resposta é automática quando do outro lado se sente indiferença, agressividade, um jogo em que nada é claro. É o isco quase perfeito.
Quando se tenta a aproximação com falinhas mansas o mais certo é que o conquistando(a) perca de imediato o interesse.

Já votaram?!

Eu apoio este blog!!!

Já votaram?! Estou quase a ser ultrapassado pelo Objectos!!!

Carreguem aí na imagem e podem votar quanto mais não seja no adversário. Carreguem na imagem, não dói. Juro. Palavra de Escuteiro que nunca fui (nem gosto muito de escuteiros).

Eu sei que há cerca de 70 pessoas que lêem diariamente aquilo que escrevo, por isso manifestem-se!

É um segundo. Minto, dois. Bem... três. Pronto são dez.

VOTEM!

E leiam o post aí em baixo

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

18.55 Pm

"A persistência da memória" Salvador Dali - 1931
- Um princípe por favor.
A noite foi longa e o melhor para curar uma ressaca é uma cerveja fresquinha.
- Pode ser sagres?
- Ainda bem que disse essa palavra em minúsculas. Se não tem cerveja já podia ter dito.
- Temos Super Bock de garrafa, diz o empregado com o sorriso nº7 (mais um que não gosta de Sagres).
- Traga lá a Super, mas sem copo.
É religioso, para não dizer fanático, na questão das cervejas: ou Super Bock ou então nada.
Com tantos caminhos para escolher e vai sempre pelo campo minado. Já está pronto a roer os braços mas precisa deles para beber e fumar. Apalpa o bolso e certifica-se que tem a chave das algemas.
“Lá vem ela. Respira fundo; conta até dez; não custa nada, já fizeste isto um cento de vezes.”
Tenta dar-lhe um beijo na boca mas Miguel diverge o gesto para dois enquanto dispara:
- Olá.
- Bem disposto?
- So, so.
- Olha, não tenho muito tempo hoje por isso este café – faz o olhar nº 51: Já estás a beber cerveja – vai ser curtinho.
- Calha bem que hoje tenho muito que fazer; tenho que acabar umas cenas para poder ir de férias.
- Ainda bem…
- E por falar em tempo, esqueceste-te disto no meu quarto.
Estende-lhe as algemas cronográficas suíças em versão skin.
- Nem tinha reparado. Sabes, tenho tantos relógios…
“Ai não que não tinhas reparado, pensas que sou burro ou quê?!”
- Costumas ver o Seinfeld?
- Costumo, porquê?
- Por nada.
Na cabeça de Miguel: George Constanza a esquecer um objecto no quarto das “one night standers” para ter desculpa para repetir o encontro.
- Bem vemo-nos por aí.
“Pleonasmo simpático” pensa ela e responde:
- Ok.
- Tenho mesmo que ir.
Miguel levanta-se, paga no balcão e vai à luta.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

16.55 Pm



Boceja e esfrega os olhos. A cama pequena para um, óptima para dois (amantes) está a ferver. Ouve o sorriso dela mas a obscuridade impede que a veja.

Enrola-se no edredão e sorve o cheiro aos poucos com medo de o gastar todo de uma vez.

-Dá-me aí as medidas dos clientes.

“Tinhas que interromper logo agora”.

-Qual das listas queres?

-A colorida.

Remexe na mochila e retira quatro folhas amarrotadas e húmidas. O olhar da colega trespassa-lhe o pensamento mas não consegue adivinhar.

- E se fossemos beber umas cervejas depois de acabarmos isto, propõe enquanto retira um cigarro.

- Estou dentro, sabes que estou sempre pronto para cerveja.

Dez minutos depois a conversa já é outra.

Bebia mais rapidamente um Vinho do Porto.

Ok, vou tratar disso.

Miguel calça as sandálias e dirige-se à casa principal. É pena que a lua esteja escondida pelas nuvens senão a descrição arrancava suspiros à respiração.

Vai à cozinha mas o staff não está lá. 1.35, não imaginava que fosse tão tarde.

Vasculha os armários da cozinha sem resultado. Lembra-se que existe uma cozinha de serviço no rés-do-chão. Os corredores estão pejados de fotografias, daguerreótipos, livros antigos abertos numa página ao calhas, réplicas de armas (a nobreza já há muito que vendeu as verdadeiras) nas paredes, móveis e mais móveis e loiças do século XVIII coevas da construção do edifício.

Numa cómoda estão dezenas de pequenas molduras com caras a sépia, réplicas do dono da casa. Pega numa e vira-a ao contrário, “será que alguém vai notar” e no íntimo ri-se.

Na cozinha encontra caixotes carregados até à boca de vinho poeirento. Escolhe um Vintage de 1991, verte o conteúdo para um decanter e agrega-lhe dois cálices.

- Boa noite Miguel, como está?

Apanhado com o nariz no decanter pela filha do dono da casa. Morena, olhos castanhos, dedos finos e uma fama secreta de ninfomaníaca. Este encontro já estivera para acontecer vezes demais, sempre interrompido por alguém.

- Bem, e a menina?

- Agora estou melhor; já tinha sido informada que estavam cá, mas ainda não tinha tido o prazer de me cruzar consigo.

Os olhos faiscavam de convite e Miguel sentia-se estúpido com o decanter e os cálices.

- O prazer é sempre nosso.

- Como sempre um homem desenrascado: Porto e dois cálices… Quem é a sortuda?

- Ainda não sei… Diga-me a menina.

Já não conseguia evitar. Não fazia muito o seu tipo mas algo ali accionava todas as sinapses da sedução. Ficava desorientado com aquela mistura de atracção/indiferença e tinha que resolver isso agora.

- Estou cansado, acho que vou desistir do Vinho do Porto.

- É pena, diz a colega com despeito desenhado nos lábios finos.

- Até amanhã.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

blogcup

Não sei se reparam no selo na sidebar... Deu-me uma maluqueira e resolvi meter-me num concurso de blogs.
A primeira eliminatória foi passada com sucesso (sem saber ler nem escrever) nem estava cá para fazer publicidade, e até tive direito a uma notícia na página dos organizadores. Passo a citar:
"Entretanto, há jogos em que a soma de votos dois 2, não atingem a votação de alguns Blogs individualmente:

Jogo 9 ( 28 votos) - Jogo 19 (27 votos)

O que passar à fase seguinte, terá de se aplicar muito mais no incentivo ao voto ou terá a vida muito complicada."
Só me posso rir em relação a isto.
Agora vou-me aplicar, e de certeza que vou ficar pelo caminho. Assim criei uma tag que poderão pôr no vosso blog a apoiar o meu (menos o Humor Negro, o Objectos, o Webcedário e o ABCity que também estão a concurso).
A tag é pequenina e discreta e linka directamente para a área de voto do blogcup. Se quiserem votar nos outros não fico triste; farto-me de rir.
A votação para a segunda eliminatória começou no dia 5 de Novembro às 23 horas e acaba dia 12 à mesma hora.

Nâo se esqueçam: Votar é um dever cívico.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

02.40 Am


"Beer an lamp" Rich Bach

Toca o telemóvel. Miguel pisca no display. Ela põe em silêncio e considera não atender.

“É melhor atender… afinal gosto do cheiro dele.”

"E dos peitorais".
Ainda hesita e pensa: "Será que estou pronta para isto?!"

Atende e geme-lhe ao ouvido o desejo de estar com ele. Com experiência na voz desculpa-se (nas entrelinhas) da hora das sms. Não é de hoje nem de um passado recente, é a continuação do que deveria acontecer.

A relação sempre foi frugal, demais para o seu gosto. Estivera alheada dele muitas vezes. Era uma relação estranha: conheciam-se há muito tempo mas nunca nada se concretizara. A provocação foi sempre uma constante: olhares profundos a meio milímetro de distância, lábios quase a tocar-se, as auras a tocar-se (o calor das bocas não dirigido aos ouvidos mas à outra boca, como se a comunicação não necessitasse de mais nada, só de contacto).

Uma noite em que estavam juntos nestes jogos algo aconteceu: ele consegue exprimir por palavras o que lhe corria nas veias como um rio de lava. Ardia de desejo físico e intelectual e resolvera fazê-lo naquele momento em que todas as suas baterias anímicas se encontravam no máximo da carga.

Miguel pensava com o seu ziper: “Hoje consigo tudo o que quiser. Dois crofts no bucho e não há quem me pare!”

No ambiente de fumo ela estava indescritível mas os olhos azuis diziam:

- Presente.

Miguel intrometeu-se entre ela e a cerveja. Cuspiu palavras secas e confessou que tinha companhia. Como se nada fosse, a mão dela deslizou para o rabo dele e sentiu a firmeza de muitos quilómetros percorridos.

- Sabes que sempre foste a minha mulher fetiche?! Que pergunta estúpida! Claro que sabes, é impossível disfarçar, muito embora eu ande a tentar deixar de ser m livro aberto que se lê de trás para a frente e depois se rasgam as páginas.

- Qual é a relação disso com a minha mão?!

- Nenhuma, apeteceu-me.

Com a mão a tremer, Miguel segura no telefone e propõe uma garrafa de vinho e uma "pasta".

15.25. Pm


"Destino" Pantyuk-Zhukovsky Alexey - 1995

Não é fácil afastar a atenção daquilo. Vai consumindo os recursos intelectuais necessários para as tarefas profissionais.

À dentada vai rasgando os sacos coloridos e, no íntimo, só pensa nas marcas de dentes que deixou (com um pedido de desculpas) na pele dela.

Algum tempo se passara desde o episódio apimentado por provocações mútuas e continuava a guardar o agridoce daquele momento na carteira. Abriu-a e tirou o bilhete da CP. O destino não interessa, muito menos a hora, só o sofá de couro, os livros.

Fecha os olhos e sente o tabaco a secar-lhe a boca. O contacto da pele liberta e contagia; a meia-luz que entra pelas frinchas do estore desenha pontos de luz animados na pele. Os seus olhos salgados de prazer e emoções percorrem as curvas daquela que pacientemente deseja há muito tempo.

Sorri derretido de emoções confusas, escondidas, acutilantes e diz-lhe ao ouvido:

- Valeu a pena esperar tanto tempo. Gostava de ser lamechas e piroso mas não é o momento; ainda te assusto como costumo fazer.

- Shiu, usa os lábios em silêncio.

Beija-a e sorri. Palavras para quê? Amanhã, depois do pequeno-almoço, com um pouco de sorte, depois do almoço, não a verá durante algum tempo; mais vale aproveitar.

Descansa a cabeça no peito dela e deixa que as mãos lhe percorram o corpo sem malícia numa mescla única de sinceridade/prazer pós coito. Assim vale a pena, pensa. Não se vai sentir vazio…

- Já está pronto?

- É claro que sim, agora só nos resta esperar.

Senta-se numa pedra e puxa de um cigarro, o último.

- Que merda, só posso comprar tabaco daqui a três horas.

Começa a chover e a primeira pinga acerta-lhe na ponta em brasa.

11.25 Am


"O mito de Sísifo" Ticiano

Muita carga nas costas; trinta quilos e o guia a dizer:

- Miguel, quando quiseres trocar avisa.

A caminhada não é fácil mas isso já sabia; pedras escorregadias como algumas pessoas que conhece; joelhos há muito estragados por saltos acrobáticos estalam como madeira seca; a mochila carregada… sente-se Sísifo a carregar o penedo pela montanha acima.

“Não vou dar parte de fraco, afinal ainda sou novo e isto é uma questão de princípios e tempo até lá chegar.”

O guia ultrapassa-o como uma gazela, aos saltos, destruindo a imagem dos seus quarenta e cinco anos. Homem da montanha, seco e rijo, só fibra mesmo no carácter. É saudável ser e estar assim.

Volta a pensar nela. Mais vale não o fazer, afinal só vai poder encontrá-la dali a muito tempo, quando voltar a ter rede no telemóvel, e aqui é impossível.

Finalmente o topo. Pousa a mochila e senta-se durante algum tempo a recuperar o fôlego. Não consegue ver a paisagem embora a conheça de tantas vezes que a contemplou. Um edredão de nevoeiro frio espeta-se-lhe no reumatismo e impede a visão.

Com a ajuda do guia começa a arrumar o sítio da reunião, a espalhar o conteúdo da mochila. O telemóvel dá sinal de vida. Sorri ao ver a sms.

“Isto é tortura!”


1.10 Am


"Squeaky Bed" 1999

Revira-se na cama: os lençóis já foram mudados, e sem saber se é impressão ou desejo, o cheiro dele continua ali entre as fibras.

Associar um cheiro a uma pessoa é comum; com o advento dos perfumes ainda mais. É bom poder fazê-lo mas mais ainda é ter a sorte de reconhecer o cheiro único de uma pessoa; depois de um bom banho sem gel de banho, champô, cremes, perfumes, a neutralidade do cheiro do outro revela-nos a essência, aquela que Jean-Baptiste Grenouille, de Süskind, procura n’ O Perfume.
Todos temos essa essência irresistível sendo reconhecida por poucas pessoas e isso é mágico.

Vai na rua e sente-lhe o odor vira-se e não está lá. Entra no carro e volta a sentir: em casa pior ainda: ele esteve em contacto com muitos objectos. Onde estará? Será tarde para ligar?

“Que se lixe, mando uma mensagem, se responder respondeu, que perco com isso?

Liga o leitor de Cd com Lounge e inspira-se; resume o testamento para uma linha. Envia, hesitante. Carrega no Ok.

“Já está.”


quinta-feira, 3 de novembro de 2005

10.30 AM


"O Jardim das delícias" Hieronymous Bosch - 1504

O vento agita, convulsiona o exterior e o interior. Assobia melodias atormentadas pelas frinchas do telhado e da Alma. Silêncio, é tudo o que pede, para pensar para dormir. Algo mudara; tudo o que desejara até ao momento: um pouco de atenção. Percorria os trilhos da montanha, em silêncio melancólico, enquanto que a chuva agreste e a ventania ciclónica espelhavam o que no fundo se passava na sua mente.

A vida transformara-se num jardim de tentações e não sabia como resistir. Todos os dias se deparava com mulheres diabo que faziam os possíveis para lhe estender as redes da sedução. No entanto a sua sinceridade provocava o afastamento imediato, ou quase.

Foi para a cama com uma (já há muito tempo que ela o perseguia com o olhar, com os gestos) e sentiu-se espoliado (seria da máscara de couro que ela vestia); bonita a e bem feita, mas depois mais nada, desilusão.
Acordou e ficou satisfeito por ela já não partilhar os cobertores. A ressaca batia-lhe na cabeça e na porta também.
“Quem é que me acorda a estas horas pornográficas num domingo?!”
Veste os boxers e abre a porta.

- Temos um problema com um carro.
Trabalha até ao Domingo. Porca miséria, italianiza.

Pega no telefone e resolve o problema. Olha para a cama e lá está a colega de trabalho com olhos de mel e nozes em forma de convite. Desolado (secretamente satisfeito) olha para ela e deita-se a seu lado. Falam de trabalho e, aos poucos, ela começa a encostar-se. Mais uma que lhe quer saltar à espinha. Sorri e adormece.

- Ressonas muito, diz-lhe a colega ao pequeno-almoço.
Não desejando mais conversa replica:
- Pois.

Nos olhos leu-lhe a desilusão e o desejo. Sentiu que ela não se importaria de partilhar o suor e o ressonar mas não estava para aí virado; desejava uma e não era aquela, muito menos o sucedâneo que lhe manchara os lençóis horas antes.

Algo mudara.

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

1.35 AM

- Acorda Miguel, são seis e meia.
- Hummmm, gnharrrlll.
- Acorda, tens que trabalhar.

Os lençóis ainda estão húmidos e não teve descanso suficiente; nestas condições nunca é suficiente, nada é suficiente.

- Que é que se passa?!
- Tens que te levantar! Os clientes têm que ser acordados!
- Eu quero é que eles se fodam! Que vão para o caralho!
- Não sejas resmungão.

Há pessoas que deviam ser presas por acordar alguém a esta hora criminosa, é homicida tirar alguém da cama a horas tão indecentes.
Ensonado, friorento arrasta a carcaça para fora da cama. Tudo podia correr melhor mas não havia nada a indicar tal. O vento soprava com muita energia, a que lhe faltava; a chuva lavava as paredes da habitação sazonal e o seu corpo ansiava por alguma água que havia de aparecer. Chuveiro a correr e quinze minutos depois de óculos de sol a tapar as olheiras de três dias de mau sono (com muitos sonhos e interrupções) desloca-se à habitação principal.

- Bom dia, exclama o sorriso do cozinheiro.
- Só se for para ti.

Resmunga o que o corpo lhe faz sentir: má disposição, mau humor, cansaço… Senta-se e volta à noite anterior.

- Olá! Estás a dormir?!
- Agora não.
- Acordei-te?!
- Claro que sim!
- Leste as minhas mensagens?
- Claro que não!
- Então lê.

Desliga o telefone e fica confuso. Por momentos pensou estar a sonhar. Aquele episódio onírico é estranho e o despertar ainda mais. Aquele nome a piscar no telemóvel parecia saído de uma dimensão paralela.

Desejara todos os dias que aquilo acontecesse e agora que se tornara realidade (seria?), temia que tivesse sido demasiado frio e seco. Ela era especial e não merecia a sua má disposição ou o granito que lhe saltava da boca quando acordava a meio da noite. Não respondeu. Leu as mensagens e tentou dormir sem sucesso.
A insónia turbilhonou-lhe os pensamentos e deu-lhe um descanso às prestações. Sonhou com ela e agora era real; ela a linha de crédito que o fazia continuar.

- Hã?!
- Café ou chã?!
- Café, preto como o inferno e amargo como a minha alma.

Toca o telemóvel. Miguel pisca no display. Ela põe em silêncio e considera não atender.
“É melhor atender… afinal gosto do cheiro dele.”