quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Liga das Quecas Extraordinárias XIX

«Pedalas como se a estrada nunca mais tivesse fim. É uma recta enorme, sem fim, interminável. Ao teu lado vês mais três pessoas, que pedalam com mais ou menos esforço, mas que teimam em acompanhar a tua corrida que não tem meta definida. Sentes-te estúpido porque tens a intensa sensação que a velocidade que manténs não te vai levar a lado nenhum ou acrescentar nada ao que já sabes.

Analisas as caras de quem pedala ao teu lado e vês expressões de esforço, que não levam a nada, a lugar nenhum. Circunspectos fazem a sua viagem interior sem nenhum interesse pelo esforço que estás a fazer, pelas calorias que queimas, pela velocidade a que vais, afinal pensam o mesmo que tu, não vão a lado nenhum com aquela correria maluca, de alguma forma vão pôr os pés no mesmo lugar em que montaram na bicicleta, o mesmo espaço, o mesmo ar rarefeito pela respiração dos companheiros de pedalada.
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É apologista da velha máxima Mens sana in corpus sanus. Estava a ficar preocupado com a barriguinha que tinha vindo a desenvolver. Cerveja, muita, francesinhas e falta de exercício, levaram-no a este estado semi-vegetativo de pedalanço.

A barriga, que ao início definia como mochila, crescia a olhos vistos, e do six pack de superbock, que ele tão orgulhosamente apregoava, que trazia lá dentro, passou-se para um invólucro bem mais grave. Transformou-se numa espécie de saco amniótico com um nascituro prestes a ver a luz do dia, só que nunca mais nascia.

Como um pai babado dizia: “Se for menino chama-se Super Bock, e se for menina Heineken”. Um dia acordou mal disposto e resolveu fazer um aborto.

Foi para o ginásio, um pouco às aranhas, não fazia a mínima ideia do que lá ia encontrar ou fazer. A sua primeira impressão foi de que acabara de entrar numa exposição de tortura medieval. Ainda procurou a Iron Maiden, mas não a encontrou em lado nenhum. Aquela maquinaria toda intimidou-o, mas não o fez desistir.

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Saltas da bicicleta, olhas-te ao espelho e vês os indícios do peso da idade mas não da condição física, afinal tratas muito bem do teu corpo, não por escolha própria mas por circunstâncias da vida que a isso te obrigam. Não tens carro por isso tens que andar para todo o lado com os atributos que o criador te forneceu, pernas.
Pernas bem modeladas, perfeitas, dirias tu, não há ponta de celulite, adivinha-se através do fato de treino de malha justa, consegues identificar os músculos em esforço. A máquina de adutores dá-te uma perspectiva deles a trabalhar bem como outros que te interessam bem mais.

A humidade do suor faz com que o tecido se cole à pele sugerindo tudo e mais qualquer coisa, as pernas tentam contrariar os 35 quilos de peso mas voltam naturalmente à posição de 90 graus, a posição de parturiente. Sugestão, sugestão, sugestão. Começas a imaginar muitas coisas naquela posição. Ela repara em ti. Fecha a boca, limpa a baba. Ela sorri, ficas da cor da tua t-shirt, será que já tem dezoito anos, pensas.


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Este homem de vez em quando tem paragens de cérebro, de certeza. “Ela” como ele lhe chama está no ginásio desde que ele o frequenta. É nova, mas já tem o curso de Educação Física, por isso pelo menos 22 tem.
Ele já devia ter reparado que ela é uma das monitoras do ginásio, ou é qualquer frequentador que ajuda as velhinhas e os novos alunos com os seus programas? Este tipo, o que tem de inteligente também tem de falta de perspicácia.

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No dia seguinte entras no ginásio e está deserto mas não é de espantar, a seguir ao almoço é comum teres as máquinas todas para ti. Vais para a passadeira e escolhes o programa de caminhada/corrida, colocas a fita de medição de batimentos cardíacos e ela acusa os 134 da praxe, já em esforço.
Um ruído estranho à música chama a tua atenção. Umas calças de malha entram na sala e sorrindo vão colocar-se na máquina de adutores, mesmo à tua frente. Começam o exercício lentamente e ao mesmo ritmo o suor começa a provocar o efeito já bem conhecido. A máquina dispara para os 150 batimentos por minuto. Já sentes sangue por todo o corpo.

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Está perto dos 30. Olha para mim como se quisesse devorar-me até ao âmago. Sei que quer fazer parte de mim. Já estou farta de reparar no olhar disfarçado e guloso com que me olha e nem sei se por insegurança ou por outra razão que me passa ao lado, não dá o passo em frente.
Já há um mês que me despe com os olhos e começo a temer que isto não passe de mais de um caso inacabado para juntar aos muitos que já tenho.

Todos os dias me visto de forma a provocá-lo mas não há maneira de se chegar a mim, nem sequer dirigir-me a palavra. Há dias passou-me pela cabeça que se calhar me acha nova demais, mas que raio (!), com vinte e três anos já não se é nova, pelo menos já se sabe o que se quer e ninguém tem nada a ver com isso.

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A perspicácia que lhe falta a ele tem-na ela, afinal isto tem que ser equilibrado. Não pensem que o jovem está entusiasmado por qualquer uma. Como mediador desta conversa tenho que informar o leitor que a rapariga é um pedaço. Infelizmente, como escritor, personagem invisível que trata um por tu e ao outro não se atreve a dizer nada, já que a moça tomou as rédeas da narração, não posso fazer nada para a seduzir. Tenho que esperar sentado que aquele burro se decida a avançar, mas não lhe posso dizer nada dos pensamentos dela.

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Sinto-me mais segura, hoje surpreendi-o de boca aberta, posso até arriscar que se babava. Corou quando reparou que o fixava, não há dúvida nenhuma que me deseja da mesma forma que o desejo a ele. Sorri para o encorajar, mas nem assim investiu no que devia, acho que é altura de ser eu a arriscar.

Entrei no ginásio e, ao contrário do que é costume aquela hora da tarde, não estava deserto. O meu Adónis está na passadeira. Fico alguns segundos a admirá-lo, deste ângulo não me consegue ver. Como está sozinho está só de calções, a t-shirt repousa no chão ao seu lado. O suor escorre-lhe pelas costas em direcção ao rabo firme e bem feito. Fico excitada. Uma ideia passa pela minha cabeça e, acto contínuo, vou à entrada e tranco a porta.

Escolho a máquina que mais efeito produz nele e começo o exercício com o olhar fixo nele.
Sinto o meu corpo em esforço e mantenho as pernas abertas mais tempo do que o necessário, a humidade toma conta de mim e consigo apalpar as minhas feromonas que, em demasia, já ocupam o espaço aéreo.
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Estás… a ficar maluco! A máquina acusa 164, daqui a pouco começa a apitar feita doida. É agora ou nunca, não consegues resistir. Sais da passadeira com ela ainda a funcionar e já só consegues pensar com um dos membros inferiores.
Tonto, devido à saída repentina do tapete, diriges-te a ela e perguntas “Quantos anos tens?”.
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A pedofilia, hoje em dia, é capaz de castrar o maior dos garanhões. Respondi-lhe com a verdade, ele agarrou-me, tirou-me da cadeira, com beijos de conaisseur, despiu-me de roupas, de suor e colou-se a mim sentando-nos na máquina na sua posição fetiche por que tanto se babava.

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Bem e assim acaba. Desta vez Midas não precisou do seu toque de ouro porque a rapariga já tinha atingido o estado maior de maturidade. Todavia ele não sabia, mas também não era eu que lhe ia dar a informação.
Como escritor tenho que escrever sempre distanciado destas personagens, por muita simpatia que nutra por elas. Se me apetecer matar alguém vai-me custar, mesmo que tenha um a personalidade muito má, mas mato. E nem sei porque estou a escrever isto, afinal a aparte que interessa já está dita…»

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