quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Livros

desenho2
Desenho da Amie

Há uns tempos atrás, eu e a Amie, combinámos que ela fazia um desenho e eu escrevia um conto com a mesma estrutura.

Com alguns itens como inspiração, metemos mãos à obra. O sítio devia ser um café como o Piolho e devia ter um casal que lia, cada um o seu livro.

Sentei-me no Piolho, imaginei e ela também.

A ergonomia das cadeiras agrada-me. A cor entra-me pelos olhos e reflecte o material de que são feitas; castanho. Nenhuma é igual a outra, todas diferentes com curvas diferentes, como mulheres: função igual aspecto discrepante. Acho-as sensuais.

Peço mais um príncipe enquanto vou estudando as cadeiras…

À minha esquerda um casal comporta-se de uma forma que me cativa os sentidos. São intemporais, não consigo colar nenhuma identidade, credo, idade, estatuto social. Podiam estar sentados aqui há sessenta anos como estão neste preciso momento.

Estão a ler: frios, estáticos, concentrados. Estudo-lhes o olhar.

Ele segura o livro com uma mão; o polegar, grande, divide a lombada e possibilita a leitura. Na outra mão uma Montblanc azul-cobalto que usa de vez em quando para sublinhar ou tirar notas.

Quer um quer outro não me deixam adivinhar a capa dos livros, fica à guarda da minha imaginação.

Ela lê muito rápido, tal é a velocidade com que vira as páginas, que me faz concluir que lê na diagonal ou que os caracteres são grandes o suficiente para ler com celeridade. Agarra o livro, com firmeza usando as duas mãos, com medo que lhe escape das mãos e não venha a saber o fim da história.

Pelo aspecto dele julgo que será um leitor de temas pesados crípticos. As notas que tira deixam adivinhar alguém que gosta de ler para saber o que está por detrás da intenção primária do autor. Organiza ideias através das notas e tenta fazer melhor: é um aplicado. Desenganem-se pela encadernação o livro não é nenhuma tese, é literatura, de certeza (pelo menos quero crer).

Ao anotar está a evoluir no conhecimento. Vejo leituras consecutivas, repetidas do mesmo parágrafo, da mesma linha a destrinçar tudo.

Ela desconcerta o meu pensamento; para mim é mais fácil ler a mente masculina. Há leituras que são estatisticamente masculinas, femininas e as excepções. Os homens gostam de acção; as mulheres de coisas mais emotivas; as excepções… enfim não sei.

Lê um livro com muito conteúdo emocional. Nota-se no seu semblante à medida que vai evoluindo na leitura. A emoção é rápida entre sorrisos lamechas e olhos brilhantes maquilhados por cloreto de sódio. Leituras porventura fáceis para qualquer leitor mas carregadas de emoções que beliscam o músculo cardíaco.

O empregado interrompe a minha observação. O casal fala entre si e fico maravilhado: com linguagem gestual comunicam entre si e com os outros.

Trocam um sorriso. Ele levanta-se, puxa-lhe a cadeira, veste-lhe o casaco e dá-lhe um beijo puro, simples na boca. Uma lágrima corre-me pela face e mancha-me o papel.

Saem.

Imagino: dois mudos que se refugiam na literatura; lêem coisas diferentes e compreendem-se de uma forma genuína.

Em casa tem milhares de livros arrumados em centenas de estantes e devoram-nos, ele mais lento que ela. Cada um tem um escritório com as estantes, as prateleiras, os livros a alma de cada um.

Acredito, por vezes, as pessoas são aquilo que lêem. Entro na casa de alguém e surpreendo-me a observar os livros; dizem muito de uma pessoa.

Para mim, este casal transformou-se na imagem dos próprios livros, ou antes, os livros é que são a imagem deles.

Consigo imaginar um livro que seja a cara de cada um deles, mas isso…

sábado, 24 de dezembro de 2005

Bom Natal e Tal


Meus amigos...

É para vos lembrar que no dia 25 de Dezembro se celebra o aniversário de Júlio César (acho que é mentira)!

O Natal celebra-se para celebrar o solstício de Inverno, o resto são histórias mal contadas.

Cristo nasceu em Março!

Até para a semana!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Portugal em Coma Profundo #1


"Os bêbados ou festejando o S. Martinho"
José Malhoa - 1907

Não pretendo nem quero ser, algum dia, o dono da verdade, muito embora dê algum jeito ser possuidor de alguma. O que vão poder testemunhar nos textos PCP (Portugal em Coma Profundo) será a minha visão crítica e equidistante do nosso país ligado às máquinas, agarrado ao cabide do soro e à espera de electro-choques para acordar do marasmo.

#1 O café (vulgo tasco)

Acho que todos, uns mais outros menos, já entraram num café de aldeia ou mesmo de vila. Bem esmiuçada a metrópole, também se encontra o café de que vos vou falar.

É gerido por uma família, com pelo menos 4 gerações presentes. O Avô que já se deixou de se chatear com o trabalho, passa o dia sentado na Sua mesa a falar com este e aquele; os pais servem ao balcão e dão galhetas nos filhos que também já dão os primeiros passos ao fim de semana, os netos lá andam em correria desvairada a azucrinar o juízo aos clientes (que vão aproveitando e ensinando as primeiras malandrices).

As mulheres do clã estão, como não podia deixar de ser, na cozinha a preparar moelas, rojões, tripas, que colam aquele cheiro gorduroso na roupa e no cabelo da clientela.

Se algum elemento se casa, o cônjuge é sempre bem-vindo para trabalhar no café.

Café que se preze, tem algumas coisas de que se orgulha: o balcão de alumínio, que por muito que se limpe, e seja naturalmente asséptico, está sempre, algo, sujo; a máquina do café, já antiga (anos 30), que não pode ser lavada senão perde-se o gosto do café; as mesas e cadeiras a imitar o mármore, que tão bem combinam com o balcão; uma televisão de dimensões generosas para ver o futebol; e como não podia deixar de ser, um ou dois bêbados que constantemente cravam um copo a este e àquele.

E as cartas? Sueca, Sobe e Desce, Lerpa, Escova, Truco… E as damas, o dominó! Alguns cafés têm uma sala só para os jogos, outros fazem-no na sala principal, mas é certo e garantido nunca faltar parceiros para as cartas. Por vezes é mais religioso que o futebol.

Raro, raro é ver uma mulher entrar nestes locais, se bem que há algumas que vão buscar os maridos pelas orelhas (há casos disso). Evitam entrar, porque à partida serão comentadas desde a bainha das calças ao último folículo capilar, e isto com sorte. Alguém mais atrevido (acompanhado de um copo a mais) pode mandar a boquinha da reacção, capaz de fazer corar a meretriz mais qualificada da Trindade.

Não quero insinuar que o meu café é um antro de machistas… Prefiro qualificá-lo como um local onde os machos entram sempre em competição. Qual faz o melhor comentário, quem bebe mais cervejas, quem comeu mais gajas, quem pega em mais sacos de cimento…

Atenção que é frequentado por toda a gente, desde que seja do sexo masculino. Os mais educados (academicamente) são tratados por doutores ou engenheiros (mesmo que não o sejam) e o proletariado tem orgulho em ter ali tão importantes personagens.

Mas as coisas já não são como antigamente, este mundo está perdido. Entrei no café da terra há uns dias e, numa das televisões estava a dar o Chelsea, enquanto no ecrã gigante a telenovela, e os machos, confessos, todos a babar com aquilo.

Em conversas, a que já assisti várias vezes, discute-se a vida de fulano e cicrana (tudo se sabe) e ainda se advogam ao direito de criticar as cabaneiras, beatas, que vão para a porta da igreja falar da vida dos outros.

Será que o café está a entrar em vias de extinção!?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Sal e Pimenta

Não resisti! Tinha que pôr este quadro!
- És sempre assim tão resmungão?!
- Não, só quando estou bem disposto, fora esses raros momentos sou calado.

Meio-dia e o Sol teima em não aparecer. Estás mal disposto e há já três horas que grunhes, só grunhes.
Batem à porta e começas a arrepender-te de te teres mudado para a cidade. Abres de boxers com a bandeira a meia haste. A tua vizinha quer sal e pimenta, com um pijama tão decotado, que lhe consegues ver o umbigo. Pensas que ela quer festa mas faltam-te as grinaldas e os confetis.
- Susana, até te convidava para entrar mas o meu cão está um bocado nervoso, acho que é dos dentes.
- Mas agora tens um cão?
- Tenho e, coitado, sofre de bruxismo.
- Bruxismo?! Que é isso?
Um sorriso maroto desenha-se-lhe nos lábios.
- Quando está a dormir faz pressão com os dois maxilares e range os dentes. É uma chatice porque aquilo deve doer e ainda por cima eu não consigo dormir com a barulheira.
- Deve ser horrível.
- Pois deve, e também não ajuda muito o que lhe tenho andado a ler para adormecer. Acho que Schopenhauer é muito para ele, coitado.
- De que raça é?
- É um Castro Laboreiro.
- Se tivesses um schnauzer era capaz de resultar. Para um Castro Laboreiro, Miguel Torga é capaz de ser melhor…
Não achas que já está na altura de acabares esta conversa disparatada? Não queres nada com a moça, despacha-a.
- Pois, vou experimentar.
Infelizmente não tenho sal nem pimenta…
- Mas tens mortalhas? Estou mortinha por fumar um.
- Acho que se pode arranjar qualquer coisa.
Entras, mexes e remexes e apareces com as mortalhas e com a secreta esperança que ela não se ponha com ideias. Está à porta com o rabo espetado à procura de algo no átrio: as nádegas espreitam do pijama de Verão como um convite.
- Cá estão.
- Muito obrigado. Olha… Não queres vir até ali e fumamos um, que achas?
Olhas para o decote, pernas bem feitas, olhos de mel, nádegas frias e rijas (já sabes). Hesitas mas dizes:
- Susana… Acho que fica para a próxima, tenho que sair.
O desconsolo fica bem patente nos olhos dela.
- Está bem, mas é pena, é que a erva é mesmo boa.
Vira-te costas e tu fechas a porta. Encostas-te ainda hesitante. Ouves a voz dela na porta do 2º esquerdo.
- Boa tarde Zé. Não tens sal e pimenta que me emprestes?

domingo, 18 de dezembro de 2005

O beijo


"O Beijo" Gustave Klimt - 1907-08

- Isto não vai doer nada.

Não vai não, como se eu não soubesse já como são estas coisas.

- Descontrai e vais ver que daqui a pouco já tudo passou.

É mesmo isso.

- Não te vou mentir, dói sempre um bocadinho.

- Sim, eu entendo.

Olha, e se saísses de cima dos meus pés? Sabes que para espectro pesas muito; para além disso já tenho os pés transpirados.

Não vou pôr os travessões de fala porque esta é uma conversa entre o personagem e o seu anjo da guarda.

Sim, sim… e que esperas que eu faça. O meu lugar é aqui, aos teus pés. Mesmo que não acredites em mim (porque raio é que me ia calhar um agnóstico na rifa), vais ter que levar comigo.

Pois mas não estejas à espera que te vá passar a mão pelas penas. Que raio de anjo és tu que nem penas tens? Já não vos fazem como antigamente?!

Eu sou só o fruto da tua imaginação. Cada um de nós é feito à imagem do que vos passa pela cabeça.

E se fosses fazer algo de útil?! E se fosses ajudar quem realmente precisa?!

Ah! Já sei o que queres.


Segunda-feira; Porto; 19:37.

- Olá!

A voz doce corresponde aquilo que tinha imaginado. Bonita, bem feita e meiga, muito meiga; por trás da aparência adivinhava-se uma caixa de dinamite (vem sempre em pacotes pequenos).

- Era cego e agora vejo.

- Desculpa?

- É esta cena dos blind date’s…

Ela ri-se com os lábios perfeitos e rugas de expressão dignas de uma profissional. Ele sorri meio envergonhado e pensa que não há razão para icebergues entre eles, afinal já tinham selado o pacto com um abraço de boas vindas.

- Apeteceu-me.

A mão dela toca-lhe, primeiro a pele e depois o fundinho do coração que está pequeno, ou melhor, apertado de uma dor boa.

- Ainda bem que te apeteceu…

- E se fossemos jantar?

Duas horas depois, e com uma garrafa de tinto do Douro a acompanhá-los, saem do restaurante, já bem agarrados. A estranheza já havia desaparecido e sorriam como dois adolescentes. O frio e a chuva miúda provocavam o aconchegar dos dois corpos.

- Gosto de chuva.

- E se usasses os lábios para o que eles servem?

- Hmm…

Não foi coragem, foi empatia que precipitou o acontecimento. Ele agarra-a e rouba um beijo consentido.

- Estás-me a beijar?!

- Shiu…


Pronto eu vou lá. Se é o que queres…

É mesmo isso. Ajuda-a.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Lector in studio III


"O copo de vinho" - Johannes Vermeer - 1658-61

Vem daqui

Numa das suas incursões, viu um grupo de peregrinos romando a uma capela das redondezas que tinha como orago S. Bartolomeu, resolveu segui-los. Esta capela ficava situada na bordejadura do mar e os romeiros, mais ou menos bem informados da topografia e geografia da zona, mais mal que bem como vamos constatar de seguida, sabiam que uma das premissas para obter os favores deste santo, de poderes difusos mas eficazes, era dar sete mergulhos nas ondas do mar.
Chegados a uma montanha semeada de batólitos graníticos, que não teria mais que 150 metros de altitude mas com um declive algo considerável, e vendo todo o espaço à sua frente semeado com bancos de nevoeiro, os caminhantes não tem mais nada e, um após outro, atiram-se de cabeça em direcção ao precipício, tendo como resultado cabeças rachadas, braços e pernas partidas e escoriações em várias partes do corpo somenos importantes para aqui estarem a ser descritas ao pormenor.
Não havia memória de caso tão insólito e no hospital, onde Orniciteplático nascera anos atrás, muito menos. Também, e a bem da verdade diga-se, nunca tinha havido registo de toda uma população adulta de uma aldeia estar internada no mesmo sítio pela mesma causa disparatada com consequências tão díspares.
Este episódio, para além de insólito aos olhos do pequeno explorador, foi acima de tudo incompreensível. Anos mais tarde o Gerador explicar-lhe-ia que as pessoas daquela freguesia cultivavam e bebiam um vinho que, se cria, provocava danos cerebrais irreversíveis.

Episódios destes interrompiam as suas explorações com uma frequência que não lhe fazia muita diferença, mas que a certa o altura o tornaram num viciado em histórias insólitas, que registava mentalmente no pequeno cérebro, com esperança que se não produzissem vinho num futuro próximo, pelo menos seriam passas.


quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Lector in studio II


Sandokan - Capa de 1911

Vem daqui
Era sempre o último a ser escolhido nas equipas de futebol e nem se podia acudir de ser dono da bola, porque nunca tivera uma bola de capão a sério, o mais que tinha era a inteligência para jogos individuais.

Aprendeu a jogar xadrez, porque as damas eram um jogo por demais básico. A estratégia de gerir seis tipos de peças diferentes apelava a toda a sua inteligência, prática e teórica, fazendo-o sentir poderoso por usar o cérebro em detrimento das fibras musculares.

Anos mais tarde os musculados, brutamontes futeboleiros estariam “a dar massa” numa obra qualquer enquanto ele...

Foi neste preciso momento que o ostracismo grupal, dos seus colegas, o induziu a explorações a solo, não só dele próprio, como do espaço que o circundava. Em casa lia tudo o que lhe aparecia à frente, começando com os clássicos da BD, Cincos, Setes, Vernes, Salgaris, cobóiadas, policiais, Marias, Crónicas, TV Guias, Biancas, rótulos de detergentes, enfim tudo servia para aumentar o seu ecletismo intelectual.
Criou assim vários mundos paralelos, com todas aquelas personagens, situações, componentes químicos, lamechices, até com as fotografias do bébé do mês.
Fisicamente, saía de casa na sua bicicleta preta, de quadro à antiga, com travão traseiro accionado pelos pedais, com mudanças de punho como nas motas, e lá ia explorando os limites da sua reduzida geografia, aumentando-os a cada dia que passava.
Entrou em contacto, pela primeira vez, com a estupidez, simplicidade e ingenuidade humana, tanto quanto o seu verde intelecto estava preparado para suportar ou compreender.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

És Duende


Exploding Dog

Estou num barco que tem um buraco no fundo. A água entra às golfadas pelo orifício onde cabem dois dedos. Lembro-me de uma história que me contaram em Amsterdão há uns tempos atrás em que uma criança meteu o dedito num buraco, que havia num dique, e salvou a Holanda toda. Imagino a coitada da criança com uma sonda no braço de alimentação inter-venosa ainda com o dígito no buraco a salvar os Países Baixos.

Olho para o buraco e enfio lá o meu dedo com a esperança de evitar as cãibras. Um não chega, tem que ser dois. Tento em vão meter outro mas não consigo. Algo estranho se passa. Tento com a outra mão e o efeito é o mesmo.

- Ora porra, que se passa aqui?

Do tombadilho salta um pequeno duende verde que se ri sarcasticamente. Não como o do homem aranha, não como o dos contos nórdicos, não como os d’ O Senhor dos Anéis, mas um da minha imaginação: metade esquerda madeira, metade direita aço orgânico, orelhas bicudas e dentes podres. Abre a boca e o hálito podre faz-me lembrar um professor meu da faculdade.

- Era bom não era?

- Era bom o quê, pergunto eu com arrogância.

- Era bom que fosse assim tão simples. Não querias mais nada.

- Por acaso até queria, se tiveres aí uma cervejinha…

- Engraçadinho… o Sarcástico aqui sou eu, não queiras que os teus leitores pensem que és melhor do que eu. Afinal, se bem te lembras, escreveste ali em cima:

“Do tombadilho salta um pequeno duende verde que se ri sarcasticamente.” Se me pões a rir sarcasticamente é porque sou sarcástico.

- Mas também te esqueces que eu costumo matar as minhas personagens no fim!

- Pois, mas eu não sou uma personagem comum; tudo indica que se alguém vai morrer, esse alguém és tu! Ah ah ah ah ah ah!

- Não posso morrer! Estás-te a esquecer que já morri aqui há uns textos atrás.

- Não estou a ver…Eu fui criado agora por isso não sei o que tens escrito.

- Eu não tenho escrito nada. Eu sou um narrador novo, mas como um Narrador já foi morto nos textos anteriores e este escritor maluco não costuma repetir a dose, acho que desta vez és tu!

- Ei! O que é isto?! Revolução no meu texto?! Estejam lá caladinhos, quem manda sou eu. Não vou admitir tentativas de condicionamento nos meus textos!

- Olha quem ele é! Estás bom ó Terceleiros?


Exploding Dog

- Ainda bem que apareceste! Eu e a tua nova criação temos aqui um desaguisado e só tu é que podes resolver.

- Resolver? Achas que ele vai resolver alguma coisa?! Anda sempre a alardear o livre arbítrio das personagens e depois é o que se vê. Dá-lhes corpo (e já agora não gosto muito do meu, metade madeira metade aço?) e alma, confiança e depois manda-lhes a paulada!

- Mas o que é isto?! Não estás contente com o teu corpo? Olha que eu trato-te da saúde com uma figura de estilo! Queres um pleonasmo para ficares mais meiguinho?

- Está bem. Eu calo-me, mais vale isto que nada.

- Juizinho os dois e continuem lá a história. Senhor Narrador prossiga se faz favor.

Ainda bem que o Terceleiros apareceu. Não há paciência para estas criações de segunda água. E por falar em água já tenho os pés molhados.

Espera… Aqui na caixa dos comentários está a solução.

- Menina Ana, se li bem, ofereceu-se para meter o dedo no buraco.

O duende dá um grito lancinante e abana a cabeça em desespero.

- Que é que tu vais fazer?! Andei eu a engendrar este plano maléfico montes de tempo para isto? Para aparecer alguém na caixa dos comentários e estragar tudo?!

- Tu está mas é caladinho ó Mr. Spock mal acabado!

Ana entra a matar.

- Mr. Spock?! Olha que esta! Queres que te amaldiçoe até à quinta geração?!

- É porque vais amaldiçoar! Olha lá ó narrador, que é que se faz com esta prateleira do IKEA?!

- Eu não sei, mas estava a pensar que podíamos pensar em tapar o buraco, é que enquanto estamos aqui a discutir com o tarreco ainda vamos ao fundo.

- Então metemos lá o dedo ou nem por isso?!

- Metemos.

Colocámos os dedos no orifício, a água parou de entrar e como que por magia, a que estava no barco secou.

O duende faz cara de aborrecido e foi buscar um baralho de cartas e uma garrafa de Bollinger e atira-a a na minha direcção.

- Já que são tão amiguinhos arranjem-se. Ainda têm duas mãos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Noir


"Girafa em chamas" - Salvador Dali 1936-37

A mesa de madeira geme com o copo de Jack Daniel’s. Aos poucos vou ficando embriagado mas não consigo reprimir a vontade de continuar: anestesiado nem vou sentir nada; a intenção até é essa.
Um par de olhos destaca-se do azul do saco-cama e repete a pergunta. Abano a caberça e digo que não. Algumas coisas começam a irritar-me: é esta postura de detective noir, os balões de pensamento a solidificar-se no fumo do meu cigarro, a reproduzir a voz-off do meu inconsciente. Sempre quis ser o Corto Maltese e acabo por ser um sucedâneo, sem piada, do Bruce Willis, no Modelo e Detective, sem modelo.
Toda esta história parece irreal, como que saída de uma noite de insónia. Ninguém, com todas as balas no tambor da sua calibre 35, está sentado num tasco de estrada, acompanhado por uma mulher vestida com um saco cama até aos ombros. Correcção, até ao ombro esquerdo; o direito está desnudo e prolonga-se até uns dedos brancos que seguram uma garrafa de água.
Sei que não tem mais nada vestido a não ser a pele e um pouco do meu suor. O meu pai sempre me disse “uma mulher vestida com o teu suor é bem pior que aquela que te oferece a aliança”. Nunca tinha percebido o que ele dizia, nem ia ser hoje, mas lembrei-me.
Não estamos sentados há muito tempo mas parece uma eternidade. O meu copo já criou uma espécie de receptáculo quadrangular, com a sua forma, o que me faz desconfiar da qualidade das mesas, não serão de madeira mas de gelatina.
O braço dela tem sinais aleatórios como uma constelação; pego na esferográfica e começo a ligá-los, fazendo um desenho do que me parece ser o futuro (não me agrada mas também nunca tive jeito para o grafismo). É abstracto mas significa algo.
Ela sabe, que no fundo sou uma alma errante, não o consigo esconder como já o fiz com tantas. Pela primeira vez sou sincero, sem merdas.
O fecho do saco cama abre-se um pouco e mostra aquilo que não quer esconder: uma porção do seio bem feito espreita em forma de convite. O desejo é bem maior que a insegurança e a necessidade bloqueia o discernimento. Salto sem pára-quedas, pego nela ao colo e subo as escadas, de corrimão bem torneado como as pernas dela. O calor dela trespassa-me e o cheiro já há muito que me hipnotizara.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

6/35

Ah pois és!
A névoa fina entra nos poros do meu reumatismo, os ossos queixam-se e eu teimo em fazê-los prosseguir. A ressaca e o sono sinfonizam na minha cabeça como uma banda de percussão e metais. A pele está esticada, como um bombo afinado em dó, devido à desidratação. Sinto todos os neurónios desconexos com a burrice a espalhar-se lentamente qual miasma verde qual quê.
Já não vou para novo e devia abandonar esta vida de disparates pegados, copos até tarde, directas, dormir um par de horas no carro para depois arrastar a carcaça pela praia na tentativa, inútil, de encontrar aquele grão de areia que teima em escapar ao meu olhar.
“Target aquired” soletra a voz metálica do meu computador de bordo, que é como quem diz: já estou a ver o carro. É melhor deixar o piloto automático tomar o controle da situação.
Um rapaz dos seus vinte e poucos aborda-me e pergunta algo. Não consigo entender, os meus ouvidos não estão ligados ao descodificador.
- Queres comprar uma 6/35 com seis munições?
Agora ouvi.
- Não, mas se tiveres aí uma colt commando até compro.
Viro-lhe costas e tento continuar, sem perceber muito bem o que se estava a passar, deve ser efeito colateral do álcool.
- Pára já ai, isto é um assalto!
Olho para trás e vejo o moço com a mão no bolso e o volume indica a existência da 6/35. Não aguento e começo a rir à gargalhada.
- Estás-te a rir, eu não estou a brincar.
- Estou por uma série de razões.
- Ai é?
O guna (foi promovido) hesita.
- É e passo a explicar: nada me garante que tenhas uma arma no bolso, para mim isso é um dedo; se tens uma arma os teus olhos dizem-me que não vais disparar; a melhor é que só vais roubar 1 euro!
- Como?
- Eu soletro: u m e u r o.
- Mas, mas…
- É isso e já agora já podes ficar com ele.
Estendo um euro ao aparvalhado assaltante que fica com a mão esquerda aberta a contemplar o fruto do seu trabalho.
- Mas não tens Multibanco, telemóvel, nada?
- Venho da noite e torro o dinheiro todo em copos e até estás com sorte de ter sobrado isso.
- Desculpa mas eu não acredito que não tenhas mais nada.
- Vamos lá ver. Ou confias em mim ou então nada feito. O que é feito da cortesia assaltante/assaltado? Deve ser a primeira vez que assaltas alguém.
- Por acaso até é… Preciso de dinheiro para apanhar a carreira para Paredes.
- Ok, e andas sempre com uma 6/35 com seis munições para quando te esqueces do passe em casa.
- Não.
- Ah, pensei.
- Olha… Mas dás-me o euro?
- Jovem espero que me permitas citar uma parte da nossa interlocução:
“Pára já ai, isto é um assalto!”
Da frase “isto é um assalto” qual foi a parte que não percebeste?!
Engole em seco e fica vermelho.
- Um assalto, neste caso à mão armada, pressupõe que uma pessoa roube a outra e o euro que está na tua mão foi-me roubado.
Não sei se já reparaste mas a tua pseudo arma está apontada para o chão, e dado que és metade de mim já te podia ter estendido no meio do chão. Como eu acho que é mais pedagógico viveres com esse euro, na carteira da tua consciência, vou-te deixar ir.
- Mas…
- E pronto, boa sorte para a próxima.
Viro-lhe costas e encolho os ombros. Entro no carro e vejo pelo retrovisor que o jovem se afasta com os passos a gaguejar como a voz à momentos. Confuso é certo mas vai-se fazer homem. Espero que deixe o crime.
Um carro para ao meu lado e dois agentes da PSP espreitam. Baixo o vidro.
- Bom dia Oliveira! De folga?
- É. Estive de serviço ontem à tarde, uma rusga.
- Já estava na altura de saíres do Corpo de Intervenção.
- Pois…

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Trocos


"The Moneychanger" Rembrandt - 1627

Chove como se não houvesse amanhã; alguém lá em cima se esqueceu de fechar a torneira da casa de banho, e a água está a cair toda em cima de mim. Olho para trás e por onde passei tudo está seco como se não tivesse caído uma pinga de água que fosse, e o caminho que percorrerei, está molhado, já à espera, mas não posso voltar atrás. Seguir em frente é o que tenho de fazer.

Podia dizer que são lágrimas, um lago de lágrimas, todas as que chorei (que não enchiam um copo de água), mas não são. Não choro nunca: sou seco.

Alguém, molhado como eu, sai de uma perpendicular e junta-se à caminhada, encolhe os ombros, o gesto “o que é que se há-de fazer” e sorri.

Retribuo e quando tenho que bifurcar o meu caminho, digo adeus com os olhos e continuo.

Chego à estação de metro ensopado. Nada pode ser pior que estar ensopado, principalmente nos cotovelos.

- Boa tarde, pode arranjar-me um cigarrinho?

- Sou abordado por um tipo corpulento, tipo roupeiro de casal, maciço (madeira de cerejeira) e com um ar deveras sinistro. Tiro o cigarro e tiro um para mim.

- Obrigado

- De nada.

- Olhe… por acaso não tem um euro que me empreste para ir beber uma cervejinha ali ao café?

O tom coercivo do tipo não me agrada e começa a cheirar mal. Respondo-lhe com as sobrancelhas carregadas e com o olhar fixo nos olhos dele. Não se pode mostrar medo a uma pessoas deste calibre: reage-se como com os animais; baixar ou desviar o olhar é abrir a guarda e dar azo ao ataque.

- Não tens?! Olha que eu acho que tens.

- Podes achar o que quiseres, eu sei que não tenho e ponto final.

- Será que tenho que ir ali chamar o meu primo?

A agressividade espelha-se no olhar e todo o corpo se retesa. Eu, mantenho a calma, e resolvo mostrar os meus índices de confiança.

- Se calhar é melhor, assim ele empresta-te o euro e já tens companhia para beber a tal cerveja.

- Mas estás a brincar comigo, tás-me a gozar?!

- Eu? Não, longe disso.

- Sabes de onde é que eu sou?

- Não sei mas tenho a certeza que me vais dizer, mesmo que eu não queira.

- Sou do Tarrafal!

- A alusão ao bairro social fez-me hesitar uma fracção de segundo.

- O quê, da ex-colónia? Olha que não pareces. Estás um bocadinho pálido.

Esta apanha-o completamente desprevenido. Não consegue compreender como raio é que eu não tenho medo dele e ainda por cima tenho a coragem de o gozar.

- Prontos, já vi que não vale a pena falar contigo.

- Até vale… Já te vais embora? Fica mais um bocado e fazes-me companhia até chegar o metro.

Abana a cabeça e ri-se, pensando que eu sou um caso perdido. Manifesta a intenção de ficar e pergunto-lhe:

- Olha, não tens oitenta e cinco cêntimos para carregar o meu andante?


sábado, 3 de dezembro de 2005

F1LH0S D@ PUT@

zoro
Fonte: UEFA
Li na Grande Reportagem deste sábado que, no jogo da liga italiana, que confrontava o Messina e o Inter de Milão, Marc André Zoro esteve para abandonar o campo graças aos “insultos e cânticos racistas dos adeptos do Inter de Milão.
Adriano, avançado brasileiro do Inter, foi o primeiro a tentar demovê-lo. Formou-se um cordão de jogadores de ambas as equipas. Zoro continuou em campo, mas deixou bem vincada a sua luta contra a ignorância.”
Não é novidade nenhuma que uma fatia significativa dos adeptos do Inter são racistas, coisa que eu não consigo absorver muito bem.
Século XXI, onde ninguém se pode considerar “puro sangue” (só os cavalos), dado que a mistura é um facto incontornável, e todas as raças são já uma amálgama genética.
Só uma fatia de frustrados, animais (e nisto os animais não tem culpa nenhuma) que libertam a sua fúria e ignorância, sublinho ignorância, ou melhor ainda, o medo da diferença, porque a ignorância conduz ao medo e vice-versa.
Até quando vamos assistir a estas manifestações?! A FIFA e a UEFA deviam tomar medidas drásticas em relação a estes adeptos. Se não respeitam, deviam ser identificados e ser impedidos de entrar nos estádios, para evitar estes incidentes lamentáveis que me metem um solene NOJO!

Só me apetece dizer uma coisa com o risco de ser intolerante também:
FILHOS DA PUTA!

quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Husky


"Interior de restaurante" Vincent Van Gogh - 1887

O cinzeiro vai a meio e não é propriamente pequeno, o que faz pensar que está a fumar demais. Duas raparigas estão sentadas e ela tenta não prestar atenção à conversa mas é inevitável: está-lhe no sangue.

- Acreditas que aquela besta – sim, porque não há melhor nome para o classificar – me disse que não vai deixar a outra?!

- Já te tinha dito, eu já te tinha visado que ele não era de confiança. Está-te a enganar desde o início e só tu é que não percebes.

- Sabes muito bem que gosto dele e não consigo resistir aquele olhinho azul…

- Não sei o que passou pela cabeça para te meteres com um husky. Já lá dizia a a minha falecida avó: “Não confie em alguém que tem vistas uma de cada cor”.

Maria franze a testa e disfarçadamente apura o ouvido.

- Ontem, depois de estar comigo, chegou a casa e mandou um cento de mensagens a dizer que ia falar com a mulher, que me amava, que já não aguentava mais aquela situação, e hoje, ao almoço, diz-me que quer ficar comigo mas que não pode deixar a a mulher, coisas de dinheiros e tal.

- Francisca, já te tinha dito que era isso que ia acontecer, só não sabia como. Ele é um cobarde.

- Neste momento está numa reunião com um cliente belga; havia de lhe correr mal. Que ódio!

Maria pega no telemóvel e varre os contactos.

- Querido… Estás ocupado?

- Sabes bem que sim: estou na reunião com o belga.

- Desculpa, só te tomo um minuto.

Levanta-se e aborda as raparigas, bem mais novas que ela; estende o telemóvel à mais alta.


terça-feira, 29 de novembro de 2005

Tiro às claras


Vejo carros a estacionar e tento vislumbrar, entre as gotas de chuva que cobrem os pára-brisas, a cara que procuro.

Está próximo o momento e a ansiedade salta-me do peito. Uma dor boa, muito boa, que me confunde e raia as margens da angústia.

É estranho, muito estranho, teimo em não trazer o colete à prova de bala, quero enfrentar a situação de peito aberto. Muitas vezes tive medo e rezei para o chumbo me atingir, mas não havia mão para premir o gatilho.

Abro a porta e a música dá-me as boas vindas: Morcheeba, how convenient. Escolho a mesa e sei que dentro em pouco vou ser abordado. O sinal já foi predefinido e tenho a certeza que não vão precisar de o usar.

Acho que estou pronto mas um calor estranho enrubesce-me a pele da face. Sinto a pele a latejar e as certezas escapam-se por entre os dedos como grãos de areia coligados com melaço (agarram-se e soltam-se).

Tento não olhar apara a porta mas não quero ser apanhado de surpresa. E não sou…

A arma é empunhada e dispara enquanto um sorriso se afirma no olhar dela. Agarra-me, num abraço desesperado, como se quisesse evitar que as pessoas que nos rodeiam ouvissem o baque do meu corpo no chão.

Era tarde, todos ouviram o disparo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Feromonas


"Legs in purple and blue" Kelly Borsheim (2005)

Não sabia o que o esperava. Os carris do Metro indicavam uma via de sentido único e na ideia deslizava-lhe uma amálgama de emoções difusas. O risco não é calculado, é um completo tiro no escuro, só lhe resta mergulhar de cabeça e esperar que a piscina tenha água suficiente.

Sentia-se como que coberto por mel: as feromonas, adormecidas, fervilhavam e as mulheres com que se cruzava reagiam.

- Posso ajudá-lo?

- Não, muito obrigado.

Responde à menina simpática com lábios de colagénio, botox, silicone - não sabe (nem quer). Está só, acompanhado pelos pensamentos; entrou na loja só para se distrair. Necessita de ajuda mas não daquela que a rapariga pode oferecer. Precisa que o relógio avance com celeridade para a hora marcada.

- Esses ténis ficam-lhe muito bem – interrompe a rapariga pela segunda vez.

- Eu sei, já os tinha visto da última vez que cá estive.

A resposta seca, bem-educada, afasta a rapariga e leva-a a achar que perdeu o encanto do metro e oitenta e das pernas demasiado bem feitas para ser verdade.

- Pode reservar este modelo, número 44? Amanhã passo cá.

- Não costumamos fazer isso mas posso abrir uma excepção consigo. Se mudar de ideias ligue-me: é o meu número pessoal – sorri enquanto lhe estende o cartão e o convite com Carla como pano de fundo.

E agora para algo completamente diferente!

Mais um blog.
Como Relações Públicas do Kastru's Bar, e depois de um concerto genial, decidi criar um blog para dar a conhecer o que de bom se faz na música portuguesa na minor league (major league para mim).
Passem por lá, no (local cibernético) e espero ver-vos em carne e osso no local físico.

IMG_0072
Foto tirada por este senhor

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Votem


Votem no Webcedário que eu contra gajas nuas não tenho hipótese, nem quero.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Cãozinho da palha



Personagens:

Miguel (pode ser um qualquer)

Carla (definida; indomada)

Não havia ponta de interesse; parafraseando a ex-namorada, que lhe assaltava a mente com demasiada frequência, “não estava para amar”. Quando se sente assim parece que as mulheres brotam da terra. O estado letárgico-amoroso é naturalmente afrodisíaco.

Carla é ruiva e bem feita, olha para ele com olhos de carnívora. Não lhe chega o que tem em casa; só lhe apetece comer fora e pelo olhar ele vai ser o prato principal.

Não se manifesta, vai dando sinais muito explícitos da intenção mas para ele são setas de Cupido demasiado rombas.

A sedução está encriptada. Ela sabia exactamente como conquistar um homem, e à vista dos resultados, sente que perdeu a habilidade, já que este continua isento. Pensa que teve sorte em ter conseguido agarrar aquele que tem em casa.

Ele, na indiferença impiedosa, vai ferindo o orgulho desfasado de alguém que lhe devota uma admiração obsessiva e tem um cuteleiro (não é uma escultura) em casa.

Um dia guiando-se com uns bagaços, perde a vergonha numa curva do caminho, e por atalhos que têm tendência a bifurcar-se, bebe dos lábios dele a paixão e a revolta.

Miguel não concorda com a ideia de acrescentar apêndices ao cuteleiro e manifesta discordância, não sem antes lhe ter arrancado a asa delta e arranhado as costas com o granito frio da calçada.

Chovia lá fora e, partido o retrovisor do passado, ela sentiu-se leoa satisfeita. Tempos passados tocou-lhe à campainha com a intuição que ele tinha algo para lhe dizer. Desejava um numa mão e outro no bolso. Um enchia-lhe a carteira e o outro o corpo.

Miguel, que era muito raro perceber este tipo de jogos, disse-lhe:

- Não sei o que queres da vida, mas eu nunca vou ser número dois. Serei sempre Um e tu não conseguirás satisfazer-me nesse campo. Precisas de dois.

Cãozinho da palha: termo usado em Lisboa para quem não come nem deixa comer.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Emc05



Há textos que nos sacodem e nos motivam para a escrita. Os amigos tem este condão, sejam eles aqueles escritores que lemos por referência ou por curiosidade, mas é bom saber que temos aqueles que nos atingem o coração com uma frase e nos emocionam.
Este texto é escrito a quente tal como o comentário.
Gosto dos meus amigos, amo-os.


Miguel de Terceleiros said...

Pela primeira vez não tenho necessidade de ler os outros comentários ou qualquer link que ponhas.
Sabes que sou por demais influenciável, e ler o que tu escreves deixa-me confuso.
Um dia disseste para eu ler esse senhor que linkaste hoje, e ao mesmo tempo disseste que era melhor não porque ia mudar por completo a forma como eu vejo as coisas.
Por isso não vou ler.
As lágrimas queimam-me as mãos e acho que já não sei escrever.
Não quero ser o que sou mas quero ser o melhor que as minhas capacidades permitirem, nem que seja por 15 minutos.
Choro porque te amo e a toda a gente que o merece e porque sinto a força a esvair-se por todos os poros do meu ser.
Um dia acordei e sonhei que não era eu e destestei-me. Nessa realidade sonhada acordei e matei-me com todas as mentiras que para mim eram verdade. A ficção transformou-me nisto e é aquilo que serei, e isso...



faz-me sorrir.
AMO-TE

Peneda

Mapa
Para quem não sabe onde foram tiradas as fotos que foram postas ontem aqui está. É naquele círculo branco no mapa onde diz Serra da Peneda.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Serra da Peneda

Ar puro por todo o lado
Uma caminhada que faz bem a toda a gente

Fico sem respiração por duas razões: acabou a subida e deparo-me com isto
Espreita aí Peneda que já falamos...

Se tivesse trazido a tenda era aqui que ficava.
Cavalos no topo da serra. Andam à solta de Abril a Outubro.

O topo na bruma. Sou maior que as nuvens.
Chegado ao cume da montanha, agora é só descer.

O que é aquilo lá ao fundo?
O Lago da Peneda, já do outro lado da montanha.

I don't Want a Ring on this fingers
Reza a lenda: quem conseguir colocar uma pedrinha
em cima deste rochedo, casa no espaço de um ano.


Espelho meu, espelho meu, há paisagem mais bela que eu?
Se Narciso estivesse aqui afogava-se outra vez.

Gargantas
Água não falta, sabia bem era uma cervejinha.

Para desenjoar de tanta letra partilho algumas fotos minhas, agora vossas.

Um truquezinho... pousem o ponteiro do rato, sem clicar, em cima da foto.


segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Razão


É só para dizer que na sexta-feira a razão foi minha.

Rascunho


"Dark sea" Wendy Jones

Foi o seu primeiro amor sem sombra de dúvida. Não daqueles amores platónicos, de beijinhos ou esvaziamento intelectual, mas empenhado, obsessivo, hedonista…

Nem sabia que as situações se podiam desenrolar com aquela rapidez mas embrenhou-se com ela numa floresta da qual seria difícil encontrar o caminho de volta.

Tivera inúmeras namoradas mas nenhuma como aquela. Toda a ideia de romantismo que sempre lhe prurira as sinapses, estava presente e ela a mulher ideal (aparente).

Inteligente, culta, causa de muita baba na rua… Que mais queria ele?!

Ficou maravilhado com a casa dela: simples mas bem decorada, uma penthouse com janelas para a cidade e paredes forradas a livros manuseados. Nunca tivera dinheiro para comprar livros e dava-lhes muita importância e tinha ali à sua mercê uma infinidade de títulos, que sempre quisera descobrir, acompanhados por uma pessoa com quem os podia comentar.

Era tudo perfeito demais. Dois meses volvidos do início do idílio, ela tentou cortar os pulsos e conseguiu. Encheu a banheira de água quente e lá tomou o que pensava ser o último banho, de sangue para lhe corar a pele branca, sem sucesso.

Ele chegou a tempo e curou-lhe as feridas mas não a alma. Algo começou a perfurar o coração. As dúvidas entraram e lá se enraizaram. Afinal que amor era aquele que a levava a abandonar a vida? Todas as juras destruídas, postas na forma de promessas quebradas.

Ela… Amava-o e por isso abandonava a vida. Carregada até à boca de anti-depressivos, que ele desconhecia, achava que seria melhor sair do mundo. Alienar-se não era o caminho e fazia-o todos os dias com prozak’s e outros que tal. Sofria com a habituação e não queria que ele sequer sonhasse com a doença que lhe destruía o espírito. Disfarçava a má disposição e por vezes, muito poucas, tinha momentos de sincera alegria, quando se deitava nos braços dele com a cabeça no peito, pele com pele, a sua almofada preferida.

Na sua cabeça, algo devorava os bons sentimentos. Não podia deixar que a doença que a consumia fosse partilhada por ele, para doente bastava um e estava disposta ao sacrifício.

Ele compreendera as razões mas não aceitou. Descobriu como ela pensava e com paciência, esforço e dedicação tentou ajudá-la.

O cérebro só funcionava para ela. Todos os momentos eram dedicados a formas de contornar os obstáculos. Inevitavelmente os sintomas socaram-no, primeiro com pouca frequência e com o tempo todos os dias.

A alegria e o optimismo não eram suficientes para contrariar a tendência, sentia-se impotente, demais.

O paraíso adquiria contornos de Inferno. A violência psicológica pesava-lhe e o corpo recusava-se a qualquer tipo de alento. Nem a preciosa ajuda da mãe tinha forças para inverter a maré, estava a vazar e não havia ciclos de 6 horas; acabaria a seco se não tomasse uma atitude.

Uma tarde de sol chegou a casa dela e encontrou-a nas trevas do quarto, estores corridos, num breu que queimava a alegria. Fez-lhe uma cena de ciúmes com um cabelo loiro agarrado à camisola. Percebeu que o fim estava próximo e a solução no fundo do túnel.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

Time bomb


"Medusa" Caravaggio, 1590

- Bem disposto?

- Acordei, resmunga.

A pausa parece longa demais mas o estado de espírito dele não dá para mais. Ela devia saber que é melhor deixá-lo respirar, saborear a cafeína e os aditivos do tabaco para deixar que a boa disposição (neste caso a tolerância) venha ao de cima.

- Porque é que não levas a camisa que te comprei na Don Colleto este fim de semana?

- Porque já tenho esta vestida. Engole mais um bocado de queijo e tira uma passa do cigarro.

- Choveu esta noite…

- Sim, ok. Pensa

“Será que ela hoje não se cala? É todos os dias a mesma coisa mas já devia saber que quando acordo assim não adianta.”

- É que se levares as calças beige vais sujá-las todas…

(1,2,3,4,5,6,7,8,9,10)

- Ok, já percebi. As letras desenham-se no cérebro com clareza e simetricamente desenhadas como que a apelar à calma. Sai da sala de jantar com um bocado de queijo na boca e volta dois minutos depois com umas calças de ganga e a camisa sugerida.

- Assim não estás melhor?

(1,2,3,4,5,6,7,8,9,10) “Cum caralho, não basta foder-me a cabeça para ir mudar de roupa como ainda quer que lhe dê razão.”

- …

Abre o maço acende outro cigarro, enche a chávena de café, pega no jornal.

- Outro cigarro?! Acabaste de fumar um. Acordaste à meia hora e já é o segundo. Tens que te controlar.

(1 soco no nariz, 2 pontapés nos rins, 3 dentes partidos, 4 dedos decepados, 5)

- Estás-me a ouvir?!

- Estou (5 cavalos a esquartejar-te).

- Logo passas lá pelo escritório e vamos às compras, depois jantamos no shopping.

- Como é que é?

- Não ouviste?

- Pareceu-me ouvir as palavras compras e shopping na mesma oração. Não foi isso pois não?

- Foi exactamente isso e livra-te de não estares lá a horas!

Engole em seco e sai porta fora.

- Lá estarei, dispara ao bater a porta.

Continua...


quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Alfaiate


"Woman at the mirror" - Sigmur Polke, 1966

Por entre as pedras da levada corriam pequenos fios de água. Não era muita mas era de alguma forma suficiente para alimentar os pequenos insectos que pairavam na água. Há quem lhes chame alfaiates e nunca se percebeu a razão de tal nomenclatura.

Com delicadeza pousam os apêndices na água e aos poucos, com as movimentações, vão tecendo cortinas e mantos de água. Com muitos insectos desta espécie tecer-se-iam massas brutais de água mas, como neste momento há pouca também há poucos alfaiates, assim o rio está condenado à seca (pelo menos até à próxima estação das chuvas).

Há uma reciprocidade entre os alfaiates e a água, são eles que a criam e ela é o seu combustível.

Os fios de água em contacto com as pedras da levada, dão origem, como num ritual de acasalamento e criação, ao lodo e ao musgo. Os alfaiates, com as inveja no olhar, desejavam ser eles a tecer o musgo, mas deviam contentar-se com a sua missão: criar água para criar lodo e musgo.

Nesse dia o sol estava alaranjado, melhor, quase castanho, fruto do fumo e da cinza que conjugados davam uma tonalidade estranha ao ambiente. Aos poucos as árvores foram ficando cinzentas, o verde desapareceu e, a partir de um certo momento, não se via um palmo à frente do nariz.

As gotas escorreram-lhe pelo corpo acariciando com cuidado a pele e, por momentos, criou-se a ilusão que seriam estas mesmas gotas a esculpir aquele belo corpo. Com a delicadeza à flor da pele sacudiu as formas que não sendo as perfeitas conseguiam encarcerar o olhar.

Querer o que é perfeito é uma perda de tempo. É preferível desejar algo à mediada das nossas capacidades porque tudo o que é perfeito, no fundo, tem um defeito que vai desiludir.

O cabelo molhado tornava-a sexy. Ela é sexy, mas a forma como o cabelo caía sobre a cabeça bem feita, tornava-a infindavelmente desejável. Os olhos castanhos, consoante a quantidade de luz que sobre eles incidia, podiam atingir uma tonalidade de verde azeitona, adquirindo aos poucos nuances hipnóticas.

Desde o primeiro momento em que foi vista soube que era desejada e ele não precisava de saber, estava-lhe no sangue.

Bonita, genuinamente bonita, com sorriso enigmático e um olhar que por vezes lhe trespassava o coração e outras a alma.

Não se conheciam pessoalmente mas, de alguma forma, sabiam muito sobre o outro. Há empatias que assim funcionam.

Ele, galante e movido pelo Super Ego a que não resistia, ia-lhe dizendo, com o olhar, todas as coisas bonitas que tinha guardadas há muito tempo, à espera de alguém muito especial.

Não que ele quisesse ficar com ela até ao fim dos dias, não era desses, mas gostava do que via, acima de tudo, do que observava.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Platobot


Vem daqui

Algures num laboratório de engenharia de sistemas informáticos

- Acho que temos que modificar um pouco as emoções disto.

- Explica lá isso.

- Bem, eu acho que temos que ser mais específicos. Acho que podíamos aliar ao comportamento do robot mais alguma coisa.

- Estás a ser muito vago.

- Não há dúvida que o algoritmo está a funcionar mais, mas os utilizadores pedem um pouco mais. Não vês a insatisfação deles. O programa reconheceu que chega uma altura que o platonismo não chega. Tem que ser calibrado com alguns estímulos visuais ou então a pessoa do outro lado vai desistir.

- Achas que sim?!

- Claro que sim. Vê lá: se estiveres a ser seduzido por alguém e ficares pelo beicinho mas não chega a acontecer nada de físico o que é que tu fazes?

- Salto fora e parto para outra. É tão simples como isso.

- Pois. Agora vê. O algoritmo identifica as emoções das pessoas nas palavras escritas, depura-as e descodifica-as com a inteligência artificial, criando uma resposta automática que faça com que o cliente fique “agarrado” e continue a escrever. Tudo muito bem até um certo ponto.

Temos dois tipos de pessoas: as que gostam deste tipo de relação sem nome, sem cara, sem sofrimento directo e ficam dependentes; as que gostam deste tipo de jogo mas quando não tem os estímulos necessários fazem como tu e partem para outra.

O tipo 1 (chamemos-lhe assim) está garantido, há-de continuar embeiçado e cliente; o tipo 2 não porque se cansa e eventualmente desistirá.

Ora para agarrar o tipo 2 temos que ir além do que já temos, e no fundo temos os recursos. Se conectarmos o platobot ao ibot, partilhamos a base de dados conseguindo prolongar a dependência.

- Estou a perceber, mas como tencionas conectar os dois, que resultados esperas?

- Se criarmos um algoritmo que descodifique as preferências estéticas dos utilizadores, podemos criar uma imagem no ibot da pessoa que escreve os mail’s e consequentemente estimular a retina dos utilizadores. Pelo menos já não é um fantasma, uma máquina, uma coisa sem cara.

- Achas que a base de dados geral tem a informação necessária?! É necessário um volume de informação brutal para criar uma imagem satisfatória. O hedonismo não se contenta com pouca coisa.

- A base de dados pode estar incompleta mas não te esqueças que o platobot de cada vez que envia uma mensagem introduz um trojan no mail do receptor e varre todos os mail’s, catalogando toda a informação. Como todos tem servidores de mail com mais de 2 gb de espaço guardam lá toda a informação, pessoal, profissional, you name it.

O que precisamos de fazer agora é mandá-lo filtrar conteúdos emocionais dos outros mail’s que não os nossos.

- Isto já me está a dar ideias! Podemos a seguir a isso pôr o platobot como contacto de messenger!

- As possibilidades são imensas!

- E eu que pensava que isto era pouco ético.

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Mail

Dois meses depois.

Sabes bem que desde o início me fascinaste mas esta relação pseudo-cibernética (que estou eu a escrever?!) efectivamente cibernética, e disso não há dúvidas, não tem muitas pernas para andar, pelo menos assim.

Porventura, para ti, será fácil mas para mim não é. Já experimentei andar com canadianas, com cadeira de rodas mas nenhum desses auxiliares é satisfatório.
Por muitas vezes te sugeri um encontro físico mas estou a ver essa possibilidade a anos-luz de distância.
Quero que saibas que estou apaixonado por ti, que se era isso que querias conseguiste, e se gostas realmente de mim, revela-te; encontra-te comigo e depois logo se vê. O que é certo é que eu não consigo aguentar mais esta curiosidade e impasse estúpidos.

O teu

(ilegível)


To Be continued

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Mail

“Recebeu uma nova mensagem de €£&$@”.

É indiferente que sejam letras ou números, até podiam ser 1’s e 0’s, on’s e off’s (e não é disto que se trata?), é um email. A curiosidade, em menor ou maior escala, pode protelar a sua consulta mas, mais tarde ou mais cedo, acabará por consultar a caixa de entrada e saber do que se trata. Muito naturalmente, se o assunto for “penis enlargement” ou afins, será movido para o lixo (quer dizer que o filtro não está a funcionar correctamente), senão lê-se, arquiva-se ou apaga-se.

Até pode ser daqueles que ficam na caixa durante uma semana ou duas, aqueles que te FW no assunto, e que depois é visto com todos os outros da mesma categoria.

Não vamos esperar afinal está à espera deste email, daquela newsletter diária de paixão, sedução, que o motiva. Sabe que há uma pessoa sem cara, cheiro, aparência que todos os dias escreve só para ele.

Sem cobranças, ciúmes, compromisso, dirige-lhe todos os dias cerca de meia página de mistério e revelação e ele gosta.

Há meses que troca palavras com esta desconhecida. Correcção: não troca, dá. As suas palavras são dadas, são para ela e só para ela. Tanto quanto lhe é dado a saber é uma desconhecida; também pode ser um desconhecido, mas já nem está preocupado com isso. Escreve como uma mulher, exprime-se como uma mulher, esconde-se como uma mulher e ele não se importa se for um homem: já tem as defesas preparadas.

Para ele é mulher.

Declara-se jogador defensivo neste jogo de teclado e rato e não se preocupa, sabe que está protegido. Aos poucos vai tentando retirar novos elementos da ilustre desconhecida e vai conseguindo,

Apesar de tudo é uma pessoa inteligente e os tempos de viciado no mirc serviram para alguma coisa: deram-lhe calo.

Abre o mail. Como sempre é o seu pequeno-almoço mas tenta não estar a comer quando o abre: há frases que o podem engasgar. Fuma o primeiro cigarro da manhã enquanto lê.

O conteúdo é aquele que esperava e em simultâneo deixa um gosto inacabado na língua, na boca, na pele.

Que raio, que mais posso eu dizer, como dar o passo?

Lê, relê e responde.

To be continued

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Festival




Cronologicamente pareciam sete ou oito da manhã, mas o efeito do álcool deixa sempre uma anacronia suspeita no relógio biológico dos festivaleiros. Estes dois sorvedouros de cerveja, como todas as noites – madrugadas - carregavam o fardo corporal em esforço para tenda.

Várias vezes tinham caído ao rio, mas esta noite a surpresa, que as havia todas as noites, havia de ser postulada em moldes diferentes. Ao fundo, lá muito ao fundo, na direcção que parecia ser a da tenda, vinham, sons hipnóticos, fruto de Djembé's, panelas, Djiridou’s, e tudo o que permitisse entoar som para a continuação da festa. Os concertos nunca fecham a noite, enquanto houver alma há festa.

Hipnotizados deixaram-se levar e chegam às lonas que serviam de tecto há já três alcoólicos dias. Cá fora, o caos tinha sido espalhado com fuminhos de perlimpimpim. Dois dos colegas, dançavam de boxers ao som da parafernália musical que ecoava no pequeno vale. Com uma máquina digital iam registando imagens para a posteridade.

Não se desafia o caos, junta-se a ele senão quebra-se a corrente e destrói-se o equilíbrio cósmico.

Os dois recém chegados juntam-se à festa e começam a aliviar o corpo das vestimentas empoeiradas. Do nada, duas das vizinhas - eram cerca de doze raparigas de Barcelos, “as porquinhas” dado que eram baixas e gordinhas - juntam-se à festa mantendo o pudor. Perguntam ao grupo:

- Há vinho?!

- Há mas só trocamos, rosnou Pepe.

- Martini, pode ser, voltou ao ataque a vizinha.

- Ah pois, disse Miguel inundado de alegria só provocado pela sua bebida preferida.

Feita a troca, Miguel abre a garganta e bebe de uma só vez o conteúdo da garrafa. Dois segundos bastaram para ter um acesso de loucura e começar a tirar a roupa. Pepe adivinhando-lhe os pensamentos já o tinha feito.

As vizinhas ficaram primeiro de boca aberta, mas logo de seguida pega na mão de Pepe e leva-o até uma das tendas e começa a chamar:

- Ó fulana, olha o que tenho aqui para ti!

A rapariga, ensonada, abre a tenda e dá de caras com o badalo de Pepe. Cara de espanto e de susto. Nestas lides dos festivais, ganhou o epíteto de Capitão Sacos, por ter os sacos maiores que a compra.

Pepe apanhou igual susto ao olhar para a cara da assustada e bate em retirada. Junta-se a Miguel e vão os dois comer uma sandes mista, nus com a mão no bolso, enquanto vão dançando ao som das cores do amanhecer.

Nunca mais viram “as porquinhas” mas elas não se devem esquecer.

Viram foi o filme com todas as peripécias; Zundapp estava a filmar toda a brincadeira.

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

10.29 Am

“Às vezes parece que está na lua mas faz tudo direito, bem demais. Por vezes sinto inveja da capacidade de trabalho dele e ridícula por lhe estar sempre a perguntar se já fez isto e aquilo… sou insegura. Gostava de saber em que pensa; neste momento nem por isso.
Ressona que se farta! Já ouvi muito boa gente a ressonar mas ele é um exagero; pelo menos tem um defeito. Vamos lá a ver se é desta que me ouve.”
Miguel… Miguel, grita enquanto bate à porta pela centésima vez. O ressonar acaba e Miguel abre a porta só de boxers.
- Temos um problema com um carro.
“Coitado, estava a dormir mas isto tem que ser resolvido já e eu não consigo. Um decanter vazio… patife, bebeu-o sozinho! Espera que já vais ver.”
Deita-se na cama ainda quente e espera que se resolva a questão. Miguel pousa o telemóvel e inexpressivo deita-se ao lado dela; passados segundos sente-lhe o corpo quente encostado à pele. Adormece e volta a ressonar.
“Como é possível, será que não me acha atraente? Uma mulher que se deita na cama de um homem está à espera de algo! Ou isso ou então já não percebo nada.”
Passados uns minutos com o rei da selva a roncar, procura reservas de amor-próprio e vai para o seu quarto.

O sexo é uma das necessidades básicas do ser humano. Custou, mas acabamos por reconhecer e na sociedade actual encaramos isso de uma forma cada vez mais natural. O equilíbrio é sempre importante: abre-se uma porta fecha-se outra; a sedução para tornar as coisas mais difíceis e saborosas, quando se alcançam, encriptou-se. Já ninguém sabe como agir, mas resume-se tudo a instintos básicos.
Os animais, como os humanos usam o sexo para um fim específico, a continuação da espécie. Para isso as fêmeas procuram um macho fisicamente forte, mal disposto, com carácter agressivo para que as suas crias possam sobreviver. Não procuram machos fracos e lamechas porque à partida intuem que se os genes (nem sabem o que é isto) forem transmitidos as crias não terão a mínima hipótese de vingar. Em contrapartida, com um macho agressivo…
Daqui vem o ditado “ Quanto mais me bates mais eu gosto de ti”. Homens e mulheres querem é personalidades fortes.
O que acontece com a relação homem/mulher (salvo raras excepções) é que a resposta é automática quando do outro lado se sente indiferença, agressividade, um jogo em que nada é claro. É o isco quase perfeito.
Quando se tenta a aproximação com falinhas mansas o mais certo é que o conquistando(a) perca de imediato o interesse.

Já votaram?!

Eu apoio este blog!!!

Já votaram?! Estou quase a ser ultrapassado pelo Objectos!!!

Carreguem aí na imagem e podem votar quanto mais não seja no adversário. Carreguem na imagem, não dói. Juro. Palavra de Escuteiro que nunca fui (nem gosto muito de escuteiros).

Eu sei que há cerca de 70 pessoas que lêem diariamente aquilo que escrevo, por isso manifestem-se!

É um segundo. Minto, dois. Bem... três. Pronto são dez.

VOTEM!

E leiam o post aí em baixo

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

18.55 Pm

"A persistência da memória" Salvador Dali - 1931
- Um princípe por favor.
A noite foi longa e o melhor para curar uma ressaca é uma cerveja fresquinha.
- Pode ser sagres?
- Ainda bem que disse essa palavra em minúsculas. Se não tem cerveja já podia ter dito.
- Temos Super Bock de garrafa, diz o empregado com o sorriso nº7 (mais um que não gosta de Sagres).
- Traga lá a Super, mas sem copo.
É religioso, para não dizer fanático, na questão das cervejas: ou Super Bock ou então nada.
Com tantos caminhos para escolher e vai sempre pelo campo minado. Já está pronto a roer os braços mas precisa deles para beber e fumar. Apalpa o bolso e certifica-se que tem a chave das algemas.
“Lá vem ela. Respira fundo; conta até dez; não custa nada, já fizeste isto um cento de vezes.”
Tenta dar-lhe um beijo na boca mas Miguel diverge o gesto para dois enquanto dispara:
- Olá.
- Bem disposto?
- So, so.
- Olha, não tenho muito tempo hoje por isso este café – faz o olhar nº 51: Já estás a beber cerveja – vai ser curtinho.
- Calha bem que hoje tenho muito que fazer; tenho que acabar umas cenas para poder ir de férias.
- Ainda bem…
- E por falar em tempo, esqueceste-te disto no meu quarto.
Estende-lhe as algemas cronográficas suíças em versão skin.
- Nem tinha reparado. Sabes, tenho tantos relógios…
“Ai não que não tinhas reparado, pensas que sou burro ou quê?!”
- Costumas ver o Seinfeld?
- Costumo, porquê?
- Por nada.
Na cabeça de Miguel: George Constanza a esquecer um objecto no quarto das “one night standers” para ter desculpa para repetir o encontro.
- Bem vemo-nos por aí.
“Pleonasmo simpático” pensa ela e responde:
- Ok.
- Tenho mesmo que ir.
Miguel levanta-se, paga no balcão e vai à luta.