"Estrada para Pourville" Claude Monet - 1882 Um brilho esbatido lambia a superfície da água. Pequenos raios transpunham o tecido composto pelas folhagens dos salgueiros e incidiam difusos na superfície da margem criando pequenas ilhas de sombra, desenhando um mapa irregular com uma forte predominância de formas arredondadas.
Marcara encontro ali, por ser um lugar carregado de magia e, onde com frequência se dirigia para pensar nas questões que a afligiam.
A azenha da margem direita ia, com o girar da roda, criando um som hipnotizante, que em conjunto com o correr da água pelo canal de descarga, formava notas de uma sinfonia indistinta mas agradável.
Desagradável era o motivo que a levara ali. Não era muito de marcar encontros fosse para o que fosse, mas bem lhe parecera a ideia de resolver tudo de uma vez por todas, naquele local que lhe inspirava tranquilidade e segurança.
Quando nos sentimos em casa tudo nos flui melhor, e água, com o destino natural que era o mar, acentuava a mudança e evidenciava a continuidade. Nada termina mas antes continua. Pelo menos assim estavam arrumadas as ideias na sua cabeça.
O problema residia só na sua cabeça e, de alguma forma, reconhecia isso mas não o queria aceitar, não o queria aceitar.
A chamada dessa manhã, autoritária, confiante, esmagou-o como uma coluna militar no deserto, com força, deixando marcas na areia, seriam apagadas com a próxima ventania. Sentiu uma espécie de irritação interior, não era bem raiva, muito imenso indiferença mas um pouco de ambas.
Os sentimentos em turbilhão, incendiavam o sangue, mas o racionalismo pedia calma. Sabia na perfeição que se deixasse aquela maré subir ia explodir e estragar tudo.
Por muito que se tente, todas as relações são recheadas com uma pitada de calculismo, pelo menos na fase da conquista, em que tudo é indistinto e não se consegue vislumbrar por entre a névoa da incerteza, só apalpar.
Lembrou-se das palavras trocados, dos beijos sofridos, conquista árdua, dos corpos suados, do roçar dos sentidos, da pele em contacto. Dos carinhos não trocados mas oferecidos numa forma elementar d altruísmo/egoísmo. Quando acariciamos alguém sentimo-nos bem e desperta o nosso egoísmo, é uma grande ilusão.
Tudo o que passaram lhe pareceu lógico e óbvio, mas ele já conhecia as mulheres, nunca se sabe o que lhes passa pela cabeça e toda a estabilidade ganha com a solidão vai por água abaixo em direcção ao Mar, largo e vago, sem pré-aviso.
A carta que lhe chegara às mãos, avisava-o, apontando um dedo acusador a obrigação de pagar uma multa nessa tarde. Estava sem carro e tinha marcado o Encontro com ela.
Caga na multa, pensou, pagas juros de um dia, até é um exercício de coerência para o teu carácter.
Pegou na bicicleta e pedalou em direcção certa e indesejada. “This is what you’ll get when you mess with love”, sibilinas as palavras no Ipod. Continuando a ouvir só lhe apetece perder-se pelos caminhos, no meio dos pinheiros, mais uma vez nos braços dela e esquecer toda a realidade envolvente. Afinal não é isto que interessa, de mapa na mão com uma bússola de endorfinas e encontrar o caminho?! É mesmo só isso que lhe apetece fazer mesmo que seja por breves momentos, minutos, horas, poucos dias e sentir que aquilo é momentâneo, mas real.
Nada a fazer e o passado já lhe calejou a capacidade de sofrimento. Não foram poucas as vezes em que assistiu de camarote a discursos como aquele que calculava ouvir. Os sinais estavam todos lá, os ataques premeditados, a frieza, o desvio de olhares, a ausência de toque, tudo lhe indicava o Fim, aquele que estava longe de desejar. Um interregno sim, agora o terminus…
Costuma chegar atrasado, não há motivo para preocupações. A ânsia da espera prolonga os minutos transformando-os em finos instrumentos de tortura. Sente-se ainda mais torturada com tudo o que lhe avassala o fio condutor do pensamento.
Como se foi meter numa história destas?! Não se ganha nada com relações passageiras mas, a bem da verdade, também nada se perde, e convenhamos que se deliciara com os parcos momentos, intensos, que tivera na companhia dele.
Será que o medo de sentia era mais vigoroso que o desejo e que no futuro, continuaria a evitar ser levada pelas sensações que a faziam vibrar de felicidade? Estaria a tornar-se fria e fechada ao exterior? Quando nos sentimos bem com um companheiro e a balança equilibra porque não aproveitar sem remorso ou culpa, afinal do outro lado também não existe.
Não podia deixar de sentir algo por ele, não era puro companheirismo, amizade, algo mais lhe perturbava as certezas e estava na altura de cortar a árvore pela raiz.
Lembrou-se de algo que lera há uns tempos atrás, em que o rapaz da história cabara uma possível história de amor pelas razões erradas e ficara a vida toda com naquele fardo nas costas, tudo porque não tivera coragem para continuar a enfrentar a vida e a outra pessoa. Investira muito e desistira. Saltara noventa e nove muros e quando chegou ao centésimo baixou os braços e desistiu.
Será que a atitude dela seria a mais correcta? Logo se veria.
Finalmente. Desmonta da bicicleta e sorri com a cara dura, os lábios carnudos a desejar em negação interna, não podia dar parte de fraco agora.
- Vieste, a certeza e a dúvida espelham-se no verbo.
- Sim… aconteça o que acontecer não me vou arrepender de ter vindo.
- Acaba por aqui, o soluço agarra-se com garras às cordas vocais e luta contra a vontade de gritar:
- Agarra-me!
Ele agarra-a pela cintura e beija-a.
- Quem sabe esta história possa continuar no futuro, não lhe vou pôr um ponto final, mas antes reticências.
Mergulha na água do rio e esconde as lágrimas. Quando emerge ela já lá não está, e o sal que sai do seu corpo corre em direcção ao Mar.