Boceja e esfrega os olhos. A cama pequena para um, óptima para dois (amantes) está a ferver. Ouve o sorriso dela mas a obscuridade impede que a veja.
Enrola-se no edredão e sorve o cheiro aos poucos com medo de o gastar todo de uma vez.
-Dá-me aí as medidas dos clientes.
“Tinhas que interromper logo agora”.
-Qual das listas queres?
-A colorida.
Remexe na mochila e retira quatro folhas amarrotadas e húmidas. O olhar da colega trespassa-lhe o pensamento mas não consegue adivinhar.
- E se fossemos beber umas cervejas depois de acabarmos isto, propõe enquanto retira um cigarro.
- Estou dentro, sabes que estou sempre pronto para cerveja.
Dez minutos depois a conversa já é outra.
Bebia mais rapidamente um Vinho do Porto.
Ok, vou tratar disso.
Miguel calça as sandálias e dirige-se à casa principal. É pena que a lua esteja escondida pelas nuvens senão a descrição arrancava suspiros à respiração.
Vai à cozinha mas o staff não está lá. 1.35, não imaginava que fosse tão tarde.
Vasculha os armários da cozinha sem resultado. Lembra-se que existe uma cozinha de serviço no rés-do-chão. Os corredores estão pejados de fotografias, daguerreótipos, livros antigos abertos numa página ao calhas, réplicas de armas (a nobreza já há muito que vendeu as verdadeiras) nas paredes, móveis e mais móveis e loiças do século XVIII coevas da construção do edifício.
Numa cómoda estão dezenas de pequenas molduras com caras a sépia, réplicas do dono da casa. Pega numa e vira-a ao contrário, “será que alguém vai notar” e no íntimo ri-se.
Na cozinha encontra caixotes carregados até à boca de vinho poeirento. Escolhe um Vintage de 1991, verte o conteúdo para um decanter e agrega-lhe dois cálices.
- Boa noite Miguel, como está?
Apanhado com o nariz no decanter pela filha do dono da casa. Morena, olhos castanhos, dedos finos e uma fama secreta de ninfomaníaca. Este encontro já estivera para acontecer vezes demais, sempre interrompido por alguém.
- Bem, e a menina?
- Agora estou melhor; já tinha sido informada que estavam cá, mas ainda não tinha tido o prazer de me cruzar consigo.
Os olhos faiscavam de convite e Miguel sentia-se estúpido com o decanter e os cálices.
- O prazer é sempre nosso.
- Como sempre um homem desenrascado: Porto e dois cálices… Quem é a sortuda?
- Ainda não sei… Diga-me a menina.
Já não conseguia evitar. Não fazia muito o seu tipo mas algo ali accionava todas as sinapses da sedução. Ficava desorientado com aquela mistura de atracção/indiferença e tinha que resolver isso agora.
- Estou cansado, acho que vou desistir do Vinho do Porto.
- É pena, diz a colega com despeito desenhado nos lábios finos.
- Até amanhã.
6 comentários:
Orientem-se!!!!
Já tinhas desenrolhado?
"Sinapses da sedução" é uma imagem brilhante!:-)
Gostei!
Um abraço
:D:D:D:D:D:D:D Bom, isto está a tornar-se complicado, não me queres dar a morada da rapariga para ver o que se passa!?!?!?! Ainda por cima com um Vintage por lá, ficava e não voltava! ;) abraço
Ah, ainda não tinha percebido, é uma rapariga de 20 anos.
Não tinha desenrolhado, cortado o gargalo a ferro e fogo!!!
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