"Destino" Pantyuk-Zhukovsky Alexey - 1995
Não é fácil afastar a atenção daquilo. Vai consumindo os recursos intelectuais necessários para as tarefas profissionais.
À dentada vai rasgando os sacos coloridos e, no íntimo, só pensa nas marcas de dentes que deixou (com um pedido de desculpas) na pele dela.
Algum tempo se passara desde o episódio apimentado por provocações mútuas e continuava a guardar o agridoce daquele momento na carteira. Abriu-a e tirou o bilhete da CP. O destino não interessa, muito menos a hora, só o sofá de couro, os livros.
Fecha os olhos e sente o tabaco a secar-lhe a boca. O contacto da pele liberta e contagia; a meia-luz que entra pelas frinchas do estore desenha pontos de luz animados na pele. Os seus olhos salgados de prazer e emoções percorrem as curvas daquela que pacientemente deseja há muito tempo.
Sorri derretido de emoções confusas, escondidas, acutilantes e diz-lhe ao ouvido:
- Valeu a pena esperar tanto tempo. Gostava de ser lamechas e piroso mas não é o momento; ainda te assusto como costumo fazer.
- Shiu, usa os lábios em silêncio.
Beija-a e sorri. Palavras para quê? Amanhã, depois do pequeno-almoço, com um pouco de sorte, depois do almoço, não a verá durante algum tempo; mais vale aproveitar.
Descansa a cabeça no peito dela e deixa que as mãos lhe percorram o corpo sem malícia numa mescla única de sinceridade/prazer pós coito. Assim vale a pena, pensa. Não se vai sentir vazio…
- Já está pronto?
- É claro que sim, agora só nos resta esperar.
Senta-se numa pedra e puxa de um cigarro, o último.
- Que merda, só posso comprar tabaco daqui a três horas.
Começa a chover e a primeira pinga acerta-lhe na ponta em brasa.
2 comentários:
Pensamentos transviados fazem sonhar com momentos passado, reais, ao mesmo tempo que as intempéries nos clamam por presente, por recâmbio para a realidade!
Estranha a dicotomia realidade presente e realidade passada! Abraço
Enviar um comentário