domingo, 18 de dezembro de 2005

O beijo


"O Beijo" Gustave Klimt - 1907-08

- Isto não vai doer nada.

Não vai não, como se eu não soubesse já como são estas coisas.

- Descontrai e vais ver que daqui a pouco já tudo passou.

É mesmo isso.

- Não te vou mentir, dói sempre um bocadinho.

- Sim, eu entendo.

Olha, e se saísses de cima dos meus pés? Sabes que para espectro pesas muito; para além disso já tenho os pés transpirados.

Não vou pôr os travessões de fala porque esta é uma conversa entre o personagem e o seu anjo da guarda.

Sim, sim… e que esperas que eu faça. O meu lugar é aqui, aos teus pés. Mesmo que não acredites em mim (porque raio é que me ia calhar um agnóstico na rifa), vais ter que levar comigo.

Pois mas não estejas à espera que te vá passar a mão pelas penas. Que raio de anjo és tu que nem penas tens? Já não vos fazem como antigamente?!

Eu sou só o fruto da tua imaginação. Cada um de nós é feito à imagem do que vos passa pela cabeça.

E se fosses fazer algo de útil?! E se fosses ajudar quem realmente precisa?!

Ah! Já sei o que queres.


Segunda-feira; Porto; 19:37.

- Olá!

A voz doce corresponde aquilo que tinha imaginado. Bonita, bem feita e meiga, muito meiga; por trás da aparência adivinhava-se uma caixa de dinamite (vem sempre em pacotes pequenos).

- Era cego e agora vejo.

- Desculpa?

- É esta cena dos blind date’s…

Ela ri-se com os lábios perfeitos e rugas de expressão dignas de uma profissional. Ele sorri meio envergonhado e pensa que não há razão para icebergues entre eles, afinal já tinham selado o pacto com um abraço de boas vindas.

- Apeteceu-me.

A mão dela toca-lhe, primeiro a pele e depois o fundinho do coração que está pequeno, ou melhor, apertado de uma dor boa.

- Ainda bem que te apeteceu…

- E se fossemos jantar?

Duas horas depois, e com uma garrafa de tinto do Douro a acompanhá-los, saem do restaurante, já bem agarrados. A estranheza já havia desaparecido e sorriam como dois adolescentes. O frio e a chuva miúda provocavam o aconchegar dos dois corpos.

- Gosto de chuva.

- E se usasses os lábios para o que eles servem?

- Hmm…

Não foi coragem, foi empatia que precipitou o acontecimento. Ele agarra-a e rouba um beijo consentido.

- Estás-me a beijar?!

- Shiu…


Pronto eu vou lá. Se é o que queres…

É mesmo isso. Ajuda-a.


6 comentários:

Miguel de Terceleiros disse...

Pepe: Queres que te ponha fora da cama?!

Hugo Brito disse...

:D Pouco barulho !?

Sukie disse...

ADORO este quadro, ADORO este pintor!

Freddy disse...

Deixa-o piar...
"Solta-se o beijo o gato mia..."

Abraço da Zona Franca

Miguel de Terceleiros disse...

Ana:
Eu não, já os meus personagens...

Miguel de Terceleiros disse...

Tu sabes bem quem era...