terça-feira, 24 de janeiro de 2006

A Galeria

Recortes esparsos, descritivos da realidade ali vivida por uns e outros boémios da cidade, estavam afixados com cola branca nas paredes.
O dono, mais uma personagem característica daquela zona ribeirinha, com o seu penteado estilo ponte, - a careca era coberta pelos fios de cabelo resistentes do lado esquerdo e faziam a ponte para o lado direito da cabeça, cobrindo de uma forma cómica a calvície que não alastraria mais – recebia com simpatia os boémios universitários. Vendia vinho a copo atraindo assim todos os apreciadores de vinho a martelo, jovens. Conseguira manter uma resistência tácita aos velhos bêbados, tarefa hercúlea mas conseguida e, a sua clientela cingia-se aos jovens universitários, bem-educados, pensantes e falantes.
Do que ele gostava era de ter os seus meninos a dar brilho à casa. Vendia também traçadinhos (anis com bagaço), ginginhas (licor de ginja) e Eduardinhos, segredo da casa. Bebia-se com gosto e pelo barato.
A sua esposa, sentada sempre no seu cadeirão de veludo, era conhecida como a Madrinha, todos os que lá entravam tinham que a cumprimentar com dois beijos e pedir-lhe a bênção. Quando soube do epíteto que os boémios lhe haviam dado “os marotos dos rapazes” entrou no jogo e começou a dar-lhes o folar todas as Páscoas, um traçadinho por cabeça. É claro que interpretou mal a analogia que se fazia com Don Corleone de Scorcese, mas era a sua simplicidade a falar.
Miguel, depois de inserido naquele microcosmos, pediu um dia aos senhores que lhe deixassem escrever, numa parede vazia, um conto sobre aquele tasco. Com o apoio do Grupo lá os convenceram e lá foi escrita, a marcador a álcool, uma história sobre que lá passava. Tornou-se tradição e uns meses depois o negócio aumentou. Pintores, escritores e fotógrafos deixaram lá a sua marca e o tasco transformou-se num espaço de exposição e mudou o nome para A Galeria.

1 comentário:

noasfalto disse...

E a mudança foi boa ou má?