segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Gatos


"A pair of Boots" Van Gogh - 1887

De manhã esteve sol. A informação não é grande coisa e pode até ser desnecessária, mas para quem não vai ler isto hoje fica como memória. Neste momento está um frio misturado com vento que me faz rebentar os lábios e me provoca dores nas costas, das tremuras que me percorrem aleatórias mas mordazes.

Nem sei como ainda consigo escrever, os dedos não articulam e tenho a sensação de que não tarda e se vão quebrar como cristal falsificado.

O coração, esse, está quente, com uma energia renovada, não me perguntem porquê, porque a minha boca está selada, excepto para sabores.

Tenho os pés gelados, e não é costume.

Encosto o meu caderninho e resolvo ir para casa, já tenho as nádegas congeladas e em o aquecimento central está a ser desperdiçado com os gatos.

Entro e está o macho deitado no sofá. Espraiado a deixar o cheiro espalhado por todo o lado. Ronrona e vai-se mexendo a convidar a gata que por ali passeia. Ela move-se com elegância e aproxima-se com os olhos semicerrados num sorriso felino: trepa ao sofá e aninha-se junto ao gato. Fareja-o junto ao pescoço e posso jurar que ele se arrepiou, vejo o pêlo a eriçar-se mas, tanto quanto eu sei os gatos não se arrepiam.

Ela reconhece o padrão e deita-se enrolada com o seu corpo a encaixar na perfeição no dele. Ele ronrona de satisfação e aceita o que ela tem para lhe dar.

Se os gatos dessem beijos com as suas bocas pequeninas com língua de lixa, tenho a certeza que estes dois se iam entender muito bem; a forma como se olham, é estranha para felinos, decidida e sensual, aliás como o andar atlético e sinuoso.

Há cheiros que são compatíveis, que provocam a química, que ficam registados no cérebro, acho até que a melhor palavra para isso é anglófona: “imprint”. Somos animais e isto faz parte.
O sabor também indica esta compatibilidade, e o beijo é a forma de se saber isso. Beijo sem língua é como aletria sem canela, como lays sem sal. A língua transmite-nos o sabor da outra pessoa, e não importa que seja fumadora, ou que tenho comido isto e aquilo, há ali um elemento qualquer que se encaixa com o nosso padrão, que se encaixa no nosso padrão.

Olho para os gatos e sei que estão felizes naquele sofá, não os vou incomodar, vou deixá-los com aquele amor de gato, humor de gato, sexo de gato. Para lhes dar privacidade ponho-lhes um cobertor felpudo por cima.

Não se queixam, nunca se queixam mesmo não podendo dar beijos de língua.

Vou outra vez para o frio.


2 comentários:

noasfalto disse...

Sorte de Gato!

MariaOnLine disse...

É assim, um amor rápido, de gatos, com gritos que não se sabe se são de gosto ou de dor. São assim, os gatos.