quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Rua


"La Rue Mosnier aux Paveurs" Manet.

Nessa tarde foi para a sua costumeira esplanada e o Destino quis que algo de insólito lhe acontecesse. Estava havia já duas horas repartindo o tempo entre a leitura de “Viver para contá-la” de Garcia Marquez e as suas anotações esporádicas no seu Moleskine, oferecido por uma amante sazonal. A ansiedade mental divergia-lhe, com matreirice, a atenção para a plateia do proscénio.

Ia atentando a todas as pessoas e imaginava as razões ocultas que as faziam permanecer, como figurantes de uma ópera, habituadas ao som e à imagem mas permanecendo porque realmente ali tinham que estar para compor o cenário.

Fartou-se daquela estaticidade, levantou-se em direcção a um objectivo que não discernia mas lhe parecia melhor que a falta de inspiração que lhe transcorria a mente. Deu dois passos e uma das enormes janelas do terceiro andar caiu no sítio onde estivera sentado. Ficou branco e afastou-se alheio à reacção das pessoas que lhe diziam que era um homem de sorte.

Parou para reparar que sangrava da face. Um estilhaço de vidro fixara-se abaixo do olho direito, a dor aguda fê-lo praguejar. Com a ajuda do reflexo de uma montra retirou-o. Dentro da loja uma rapariga olhava-a com o reconhecimento estampado no sorriso. Saiu e perguntou se estava bem.

2 comentários:

noasfalto disse...

E que mal poderia fazer uma janela a caída de um 3º andar a um ser assim? Aposto que nada.

kiko disse...

Este ciclismo está mais afinado... Como é importante a frase leve! Abraçola!