Chegou ao Porto depois de muitas voltas à cabeça estômago e outros órgãos menos importantes. Cuidadosamente, tentara eliminar todos os vestígios da traição, e reviu vezes sem conta todos os passos que tinha dado. Calmamente, tanto quanto lhe era possível, e com a minúcia de leitor de livros policiais, verificou, ao espelho, se não tinha marcas, lavou a cara, cheirou a roupa. Lá estava o cheiro dela quase imperceptível, mas passava. Rasgou os bilhetes, e deitou-os ao lixo. Reviu mais uma vez o que tinha feito e sentiu-se tão preparado como um condenado Guilhotina.
Pensou em todas as perguntas, situações imprevistas com que podia ser confrontado e inventou desculpas para elas. Pensou em todo o conhecimento e experiência própria, ou emprestada, que a sua esposa teria.
Chamou um táxi. Entrou e mandou-o parar no próximo quiosque aberto. Quando parou, saiu com um - Espere! - e foi socorrer-se de tabaco. Não havia dinheiro no Multibanco da estação, por isso não fumava à hora e meia.
Voltou a entrar no táxi e pensou na melhor pessoa para esvaziar aquela confusão que lhe enchia o espírito. Sabia que um assunto destes devia ficar entre duas pessoas, mas isto queimava. Queimava-o por dentro ao ponto de necessitar urgentemente de alguém mais maduro, para como um farol o guiar, para porto seguro. Tirou duas passas no cigarro e enquanto observava a sua vida a desvanecer-se no fumo, encontrou o confidente certo.
- Estou sim?... Doutor? Sim sou eu! Está tudo bem consigo? Estava-lhe a telefonar para o convidar para comer uma francesinha! Amanhã à noite? Tudo bem, eu telefono-lhe! Adeus.
O Professor! Um senhor. Tinha sido seu professor em 1988, um ano antes de se casar. Conheceram-se nas aulas, jantaram várias vezes juntos, em convívios de professores e alunos, e mostrou-se um bom amigo desde o primeiro momento, não obstante o fosso de idades que os separava. Daí até o escolher para padrinho de curso, foi um tirinho. Também conhecia a sua esposa, que fora sua aluna, mas nunca houve muita convivência entre eles. Entretanto, muito lentamente, tinham perdido o contacto, cumprimentando-se à pressa quando se cruzavam, não sem um sorriso caloroso e a promessa de um jantar ementado a francesinha e cerveja.
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