terça-feira, 3 de agosto de 2004

TLP III








- Não concordo. O Caravaggio era completamente doido. Um tipo que passava a vida enfiado nas tabernas com prostitutas e bêbados e só pintava quando precisava de dinheiro... acho que até chegou a estar preso...
- Mas dentro dessa loucura que até acho saudável, não podes deixar de concordar comigo, que o homem era genial. Já prestaste atenção às composições dele?
- Olha, e não é o que continuámos a fazer? Não continuámos nós metidos em antros de putas e bêbados? Como podemos recriminar um Caravaggio do século XVI que frequentava sítios desses, quando nós não fazemos melhor? Olha para aquela tia que ali está. Não achas que tem o seu quê de puta? Tenho a certeza absoluta que é o marido que lhe paga as contas todas, e que a senhora, a única coisa que faz , é ir às compras. É entrar em qualquer loja da Foz que vês uma igual a experimentar as roupinhas, e o maridinho, que a correr bem é só unicórnio, a passar o cheque para ela não lhe foder muito a cabeça. Assim ele tem a senhora em casa, amordaçada com artigos de luxo, e vai de férias para o Brasil, com amigos do mesmo calibre, para ir onde? Às putas!! Não somos nós uma cambada de bêbados saudáveis? Sistematicamente vamos a um bar e bebemos até nos acabar o dinheiro ou estarmos num estado em que o melhor é beber água. No entanto não produzimos o que o Caravaggio produziu, tenha sido preso ou não. Para além disso não podemos julgar à luz da nossa mentalidade uma sociedade de há 400 anos atrás. Os hábitos eram diferentes, o sistema era diferente e ele tinha a puta da mania que era diferente!
- Estamos muito críticos hoje...
- Lá está... sabem como é, tirem-me as pilhas.
- Mas porque é que passas a vida a falar mal das pessoas?
- O grande problema é que eu não faço isso. Achas que o que acabei de fazer é dizer mal das pessoas? Com um pouco de sorte até as estou a elogiar. Não sou o senhor da verdade mas também não sou burro nenhum. Pelo que tenho visto, setenta por cento das pessoas que estão neste bar têm qualquer coisa que se lhe diga. Olha, por falar nisso, o que é que este quer?
- Quem?
Quem faz esta pergunta é uma amiga minha, que veio jantar a minha casa com o meu namorado. É bonita, tem uns olhos lindíssimos e é muito charmosa. Tem um sorriso que é uma delícia, sendo muito expressiva devido à forma como usa as mãos para falar. O “Este” a quem o meu namorado se está a referir, é um rapaz moreno de grandes olhos castanhos que está especado a olhar para a Sandra. Coitado é mais um que caiu no feitiço dos seus olhos profundos. Aposto que o Rui se vai passar se ele continua a olhar daquela forma. Não é que tenha mal o moço estar a olhar, mas parece que está hipnotizado.
- Ainda bem que o gajo se foi, senão...
- É sempre a mesma coisa, é só garganta. O que é que lhe ias fazer?
- Perguntar se nunca tinha visto! Pelo amor de Deus, é sempre a mesma coisa quando saímos contigo. De vez em quando lá vem um parvinho que fica a olhar como se fosses a última mulher do mundo.
- Mas olha... este até é giro... e deixa ver... lá vai ele. Até tem um rabinho bem feito.
- Rabinho... nunca percebi porque raio é que vocês mulheres, dizem rabinho. Não percebo porque não dizem cú. Pronto, dizem tem um cú bem feito, ou não é assim que se chama ao fundo das costas? E quanto ao gajo, tenho a certeza que é mais um daqueles bêbados de que estávamos a falar. Vão ver que daqui a pouco anda por aí aos caídos. E não vai ser com água na mão de certeza, porque tem aspecto de a usar só para uso exterior.Deixo o Rui a falar com a Sandra e reparo que ela também não está a ouvir. Está a fingir que o ouve mas tem a cabeça noutro lugar.
CONTINUA


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