terça-feira, 24 de agosto de 2004

Traição do Destino

Pensava num plano idóneo que não fizesse a mulher desconfiar do que se tinha passado nessas escassas horas, em que o seu espírito tinha estado preso àquela carne escaldante que se agarrava a ele em tentação sobre-humana. Conseguira evitar danos de maior, não por responsabilidade, mas por pânico e planos mal traçados, mas necessários. Foi aí que o pânico lhe voltou a toldar a razão. O telefone tocou. Mentiu atabalhoadamente à esposa, de acordo com o plano que tinha traçado, enquanto revia os horários dos comboios cuidadosamente, fazendo uma conexão válida entre linhas para encobrir a sua escapadela convincentemente.
Como um relâmpago tinha visitado aquela que agora, também na carne, era a sua amante. Estranho era que o choque e o bloqueio provocados pelo confronto, não lhe facilitaram a clareza de ideias e a frieza que lhe eram características.
Estava destroçado! Rezou para que o táxi se atrasasse, não chegasse a tempo, que houvesse filas intermináveis, enfim tudo que adiasse a sua chegada a casa. Também destroçado e desfeito, porque a vida que levara até ali era uma grande mentira. Uma capa que se detinha sobre ele e não lhe permitia respirar. A usual veia alegre e divertida estava soterrada por toneladas de convenções e aparências, que no entanto o tinham mantido iludido durante tanto tempo. Esta capa telúrica fora finalmente esburacada, pela vontade de correr atrás daquilo que lhe moía as entranhas lenta e dolorosamente.
A azia continuava a atacá-lo impiedosamente, o sentido de culpa engalfinhava-lhe as ideias e a vontade de ter cedido ao seu desejo e ao da amante fustigava-o por todos os lados.

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