sexta-feira, 21 de outubro de 2005
quinta-feira, 20 de outubro de 2005
Título (ponha aqui o que resume este texto)
Rapariga gira como o raio sozinha.
Rapaz com olhar nº7 (se te apanho conto-te uma história).
Aborda-a.
- Será que é hoje que vou manter uma conversa contigo por mais de trinta segundos?
Ela sorri.
- Tenho medo de falar contigo mais de trinta segundos; ainda me transformo num monte de cinza.
Ela sorri.
- Não tenho sorte nenhuma; uma mulher bonita aqui sozinha e é muda.
Ela ri à gargalhada.
Faz-me perguntas - diz ela.
- Qual é a idade da terra? pergunta ele.
Ela fica aturdida e ri-se.
-Tens namorado?
- Sim.
Pensa "Foda-se para esta merda, não tenho sorte nenhuma!" e diz:
Agora é a vossa vez. Mandem a punchline.
Monólogo a três
P.s. leiam Juliano e A Criação
quarta-feira, 19 de outubro de 2005
Lama Gémea

Aos poucos deixou-se levar. O sentimento conduzia-lhe o coração; derretia a calote de frieza que lhe toldara a emoção nos últimos tempos. Lia nas árvores algo indefinido que recordava algo que tinha desaprendido, com tantas barreiras que criara, e aos poucos começava a acreditar que seria possível.
Do outro lado do nevoeiro alguém pensava como ele. Chorava lágrimas doces como absinto e embriagava-se com elas. Consolava-se secretamente e secava-se com os cabelos: a única coisa que lhe cobria o corpo.
A lama gémea, dos dois lados do fosso, cercava os corpos que, aos poucos, sentiam a necessidade de se encontrar. Impelia-os mas não era daquela forma que se iam unir.
Ele adquiriu novos hábitos: lambia as feridas do passado e via que estavam a cicatrizar. Acreditava que dentro em pouco as suas pernas estariam prontas para andar. Arrastava-se à procura de comida para a alma que estava perto, tão perto.
Ela corria mas não via. Tacteava a absorver a luz que o corpo necessitava.
Um dia viu.
terça-feira, 18 de outubro de 2005
Do Anonimato
segunda-feira, 17 de outubro de 2005
CA - Comentadores Anónimos
Já muitas vezes me perguntaram o que quer dizer o pseudónimo, e desenganem-se, não foi criado para o blog: tem 13 anos. Foi criado quando publiquei o meu primeiro texto no Jornal de Esposende, com a preciosa ajuda do meu professor de Latim, director do jornal na altura.
O meu Tio sugeriu o nome; Miguel é o meu segundo nome; Terceleiros é o micro-topónimo onde está localizada a casa dos meus pais que significa acima do Celeiro.
Como devem ter reparado, finalmente pus uma foto minha no Blog.
Isto tudo para quê?! Não sei se têm notado mas tenho sido invadido por anónimos, que presumo sejam do género feminino.
Isto dá-me alento. Gosto de descobrir, sou curioso, procurar no sitemeter e descobrir não a cara mas, por cruzamento de dados, a localização. Esta Internet é um Big Brother!
O Hugo dizia há dias que os comentários são um outro post, quando não são a continuação. No post Livro surgiu um Anónimo(a) que originou esta bela conversa.
Anónimo(a)
Ficaste preso nos meus favoritos, e cada vez que teclo um “t”, cá estou eu... Pena não ter olhos que cheguem para ler os teus textos todos...
Terceleiros
Anónimo(a): Fico contente por gostares, aliás feliz. Os meus leitores é que me inspiram na maior parte das vezes. Para a próxima uma assinatura, se não for pedir muito.
Anónimo(a)
Não estou no anonimato para me esconder... Por agora, quero apenas estar aqui, no meu sossegadinho cantinho... Escreve-me :)... se precisares de dar vida ao teu livro no mundo das figuras!!! Bom fim de Semana
Terceleiros
Anónimo(a): Não digo que te estejas a esconder. Peço uma assinatura para poder saber se é sempre o mesmo anónimo :). Posso escrever-te a tinta ou a caracteres, como preferes?!Desenhar a tua imagem com letras. Posso:idealizar; infra-idealizar; supra idealizar... Qual o teu tipo de idealização perfeita?
Anónimo(a)
Para alem de ser amante das tintas, prefiro que me escrevas em carácter. É mais rápido e indolor... A imaginação é perfeita... dá-me tu um nome!!
Terceleiros
Anónimo(a): Seja, caracter será. (é andrógino) Nunca se soube se era realmente uma mulher ou se era a cara do Leonardo por isso como não sei o teu sexo ficas Mona Lisa. Para além disso aquela aura de mistério...agrada-me.
Mona Lisa. pinta-me manda a cor por mail. Miguelterceleiros@gmail.com A moeda tem sempre duas faces. Pode ser com pincéis de photoshop.
Mona Lisa
Tu és da cor da folha da arvore outonal, da lua e do sol. Da chuva e da noite. Tinta fresca que vai secando na tela rabiscada por ti próprio. Afinal não somos todos assim?! Sim... o mistério muitas vezes é o que nos guia na imaginação... Já ouviste falar do monte da lua?
Terceleiros
Mona Lisa: Monte da Lua?! Gostava de conhecer. Boa pintura a tua, é Impressionismo?
Mona Lisa
É abstracção do ser humano para representar imagens :D. O monte da lua é o nome que designa a uma Serra... Onde lutaram Mouros e cristão... e viveram reis e rainhas... onde existem duendes mágicos e mouras encantadas a espera do derradeiro beijo. É onde existem castelos protegidos por gárgulas que acordam do sono profundo com o brilho da lua... O monte da lua é envolto num mistério fantástico e poucos são aqueles que se aventuram a andar por lá depois do sol posto. É o cenário perfeito para um dos teus contos...
Se quiseres, mais tarde envio-te imagens... e som...
Terceleiros
Mona Lisa: O Monte da Lua onde a Pena é mais forte que a Espada?! Palácios e castelos ameados... já passeei por lá numa outra vida mas morri pelos olhos de uma encantada. Manda o reflexo de um espelho, as imagens em anagrama lógico.beijo
Insurgimento
Não é que me mandam um spam com 124 (!) links e no fim, ironicamente, dois deles rezam o seguinte:
- 122 PAL Popup Eliminator - Blocks all pop-up and pop-under ads.
- 124 PAL Spyware Remover - Every day internet surfers install SpyWare and AdWare components on their PC's without even knowing it by clicking on pop up ads, downloading music files, installing free programs and so on.
Só cá faltava um a dizer:
PAL Spam Remover.
São estes caralhos que fazem o Spam, os reservoir oxes de merda que depois nos obrigam a comprar a cura para a doença que eles criaram.
Apeteceu-me dizer uns palavrões.
Só fizeram com que activasse o Word Verification do Blogger.
P. S. Carreguem nos links vão ter uma boa surpresa.
quinta-feira, 13 de outubro de 2005
Livro

Todos os livros são diferentes em tamanho e cor, formando um arco-íris desordenado, uma manta de retalhos de cultura (assim julga). As formas, uma muralha de legos misturados com blocos de construção lógica infantis e meccano. Uma Babilónia lógica; tem que haver uma lógica nisto.
Quando se aproxima, o tecto transforma-se num gigantesco espelho, fazendo com que os livros se tornem numa gigantesca torre infinita. Todo o conhecimento está ali em reflexo.
Com mais atenção vê que os livros se invertem, como é natural num espelho, criando ilusão: os reflexos não correspondem à imagem original.
Olha em redor e toda a sala é um gigantesco e único espelho multiplicando os livros e a sua imagem até à exaustão. O medo acorda-lhe a mente. Tem que sair dali. Tacteia, bate com os nós dos dedos para sair, não para entrar, obtendo sempre o mesmo resultado, nada. Está preso.
Dirige-se às estantes e retira o primeiro livro do topo esquerdo. Não tem título nem autor, mas sim, índice.
Ao que parece é um livro de Contos.
O espelho – O reflexo
Deus
O guarda
Malaquias
O frasco
O ardina
Os hóspedes
L00p?s
Comboio
Futuro v. 9.35
Olhos bem abertos
Absorto na leitura descobre, com espanto, que a sua história, desde que acordara na sala espelhada, está lá escrita, mas por alguma razão interrompida no ponto em que ele pega no livro.
Os contos acabam todos de uma forma que indica que o autor tem gosto em brincar com a vida das personagens que cria. Vai criando expectativas dando migalhas, semeando a confusão para, no final, os deixar com a vida destroçada ou com uma experência traumática que lhes mude a vida.
Pega numa esferográfica e resolve escrever.
15.00
Está sentado como é costume em frente ao computador. A sala é decorada com azulejos do Estado Novo; citações de Salazar e outros coevos da Ideologia.
Com a rotina no rato e a retina no monitor, liga o Messenger, o Morpheus e o Media player.; clica no Firefox e escreve
gmail.com
Durante trinta minutos consulta os mail's e troca algumas palavras com os habitués. Muda o estado para ocupado e escreve o post para o blog. 15 minutos de escrita, dez de correcções; google images para encontrar o quadro relativo ao texto; formata e publica.
Passa agora para a ronda pelos blogs habituais. O primeiro fá-lo esfregar os olhos, o segundo arregalá-los; vai clicando em pânico em todos e as mãos crispam-se sobre o rato com tanta força que um estalido revela que o partiu em vários fragmentos.
Confere a hora dos posts e comprova através das lágrimas de raiva que todos foram escritos antes do seu. Ele é a cópia, uma farsa. O seu texto estava em todos os blogs.
Ora toma lá que é para não andares a torturar as tuas personagens. Vê lá se gostas quando brincam contigo.
Acabara o livro do escritor deconhecido e nada o podia mudar. Esgotara o espaço para texto a tinta preta sobre o papel amarelo. Não havia correcção possível.
Com um sorriso nos lábios volta a colocar o livro na prateleira. Volta-se com um sentimento de justiça e, no espelho, vê tinta preta a escorrer pela lombada do livro.
Volta a segurá-lo e algumas letras estão a compor palavras lentamente na lombada.
O Livro e outros contos – Miguel de Terceleiros
Pega na carteira, como que duvidando da própria identidade, e os espelhos partem-se.
quarta-feira, 12 de outubro de 2005
Somos todos malucos
Não sou das pessoas mais pontuais mas desta vez cheguei a tempo. Sento-me com os meus iscos na mão. O meu caderninho e caneta; Ficções de Jorge Luís Borges. Não sei qual foi o sinal combinado mas qualquer pessoa com dois dedos de testa chega lá.
Ora porra, ninguém no seu perfeito juízo vem para o Guarany escrever e ler, a não ser que tenha um propósito obscuro por trás disso.
Observo tudo em volta e começo a adivinhar. Será que é este, aquele; os cromos do portátil?! Desisto. Hugo entra e não me vê. Estou a um metro dele e penso que a melhor forma de ficar invisível é ficar no sítio mais visível, na mesa da entrada.
- Então?!
- Nada ainda. Somos os primeiros.
- Um descafeínado.
O empregado vai e volta com o líquido.
Fico só outra vez. Amie e Freddy entram e sentam-se.
- Estás sozinho?!
- Não já cá está o Hugo. Olha.
Apresentações e mudamos para uma mesa maior. Apostas e mais apostas de quem seria e eu aposto no desconhecido na mesa do canto. Depois de cinco minutos de risota e punchlines para tirar a dúvida Amie lá se enche de coragem e vai lá.
Não sei o que disse mas era mesmo. Cláudio senta-se e junta-se à conversa. Mais uns minutos chega a guerrilheira de serviço, Guevara e uma pessoa que não esteve lá (esta é private mas estiveste lá).
Piadas nervosas; que fazes; qual é o teu blog e tal; porquê o nome, enfim tudo o que queriamos saber, mas acima de tudo a curiosidade satisfeita de conhecer fisicamente as pessoas que estão por trás dos teclados e monitores.
Mais tarde chegou Malamack e ficou (quase) completa a pandilha.
Ernesto traidor! Onde te meteste!!!! Estivemos à tua espera montes de tempo. Imaginámos que fosses o saxofonista, o tipo de óculos no canto, a comer com a boca cheia de dentes, que estavas dentro do piano, que eras o empregado e não eras.
Isto não se faz! Deixar assim as pessoas à espera!
00.00
Fechou o Guarany e fomos expulsos com promessas de repetir a dose.
Gostei muito, diverti-me e vamos lá trocar uns poemas (lol) e mais umas coisas (lol).
terça-feira, 11 de outubro de 2005
21
O mofo invade as narinas e fá-lo abafar um espirro. Não podem saber que está ali, pelo menos agora. Há que esticar (alargar) os limites cronológicos para lá do razoável. Esquartejar os relógios do mundo para ter o tempo multiplicado por quatro. Não é possível nesta história, nesta sala, com este corpo; há que aproveitar [(explorar (exaurir)] ao máximo, o tempo.
Demorara a encontrar o livro e agora, que o tinha na mão, a passagem teimava e escapava. Procura nas entrelinhas.
Olhou para as linhas e atingiu a forma de encontrar o que queria. Da pasta de couro coçada e áspera como a vida, retirou papel pautado, com um allegro que estava a compor já há anos, e colocou-o sobre as páginas do livro. Semitransparente, misturava as letras com os símbolos musicais e concentrava nas entrelinhas só o essencial.
Esta procura tornava-se uma obsessão e instava-o a prolongar a demanda. A felicidade dependia daquilo ou talvez não. Da mesma forma que outros procuravam Graal’s de múltiplas formas e conteúdos, este era o seu.
Horas sem fio nem textura aparente entraram nos seus olhos atingindo os neurónios construindo cansaço com tijolos de informação. 110 páginas absorvidas com atenção, lidas de uma forma nunca antes lida; música e letra em conjunção absoluta de uma forma que agora a música era lida pelos olhos e a leitura pelos ouvidos.
Vinte e um anagramas. Aqui está a linha que procurava. Nunca a iria encontrar se não fosse desta inventiva forma de ler nas interlinhas. Espaço, espaço, ponto final.Levantou o papel pautado e viu a frase original.
A ARMATA MEN GUN VIS.
Traduzia-se como:
A força (Armata) dos homens (Men) é a quantidade (Vis) de armas (Gun).
Não lhe interessava esta frase.
Não fazia sentido nem nunca fizera, mas agora parecia que estava no caminho certo. A frase do texto que dava origem a esta era:
Quanto pesa o Amor?
Vinte e um anagramas.
Mais uma brincadeirinha. Divirtam-se
segunda-feira, 10 de outubro de 2005
Olhos bem abertos

Sonhar acordado é bom, nunca sabemos qual a dimensão da realidade mas também não chega a ter importância. Os pensamentos são só nossos, a dormir ou despertos.
O contacto com o poliéster fá-lo sentir sexy como um gato; não um tigre; melhor, uma pantera. Sente o tecido a gemer e faz coro com ele. Suspira de prazer… ronrona lascivamente e sente-se poderoso como dentro do corpo de uma mulher. Sente o corpo a ser beijado gradualmente. Invisíveis lábios tocam-no – não consegue ver a cara – tudo está claro, repleto de luz. Chora de prazer com a secreta esperança que tudo se repita em breve.
Abraça o saco cama e a textura modifica-se, parece carne. De olhos (agora) abertos, salta do sonho e da boca escapa-se
- Nem eu com um gato.
Trinca-lhe o pescoço para provar o mundo real, e o sal sobe-lhe a tensão. Poças de suor espalham-se pela cama e pergunta
- Já estás.
Naquele momento, com aquela mulher, com aqueles lençóis, naquela cama, sentia-se bem, tão bem que nem havia mau hálito.
A felicidade relativa coagula-nos os sentidos.
A expressão de paz nos olhos da desconhecida agrada-lhe. Por muito tempo fica em êxtase; contempla aquele momento, pintura, escultura; controla a respiração para não a acordar dos olhos abertos.
Simples mas portadora de felicidade. A sensação.
Acordara.
- Quase que consigo acreditar em Deus só de olhar para ti.
- A Abstinência é uma droga fodida, não é?!
E agora para algo completamente diferente
Ora boas! Falaram-me disto e achei que era uma óptima ideia para comer a cabeça ao pessoal. Código binário, conhecem?! Quero ver qual é o tipo de comentário que vai sair daqui. a primeira pessoa que conseguir descodificar vai poder saber o meu nome verdadeiro e ver a minha foto! ehehehehehehe
Com jeitinho bebemos um copo! Beijos e abraços para os meus amigos palhaços!
Para mais informações
http://nickciske.com/tools/binary.php
quinta-feira, 6 de outubro de 2005
Futuro v 9.35

Como uma máquina a carvão, barulhenta, fumacenta, começa a funcionar. Fumo fá-lo espirrar; no outro lado do renque de árvores um homem de fato preto e gravata branca diz-lhe algo.
Ao longe um altifalante de uma igreja ou capela que seja, ecoa o Ave Maria, prologando o anunciar das nove da noite. Neste sítio é sempre escuro mas é noite, como assim foi declarado pelos antigos que ainda testemunharam a existência da luz; agora é artificial, amarela baça, que transforma todos em fantasmas alaranjados.
A vida vai prosseguir. Ligaram-se os motores e há que apanhá-la. Corre com a respiração a servir de pernas e consegue, com a ponta dos dedos agarrar o varão metálico que o impele para o futuro que só existe nos filmes.
Sabe (é o único) que o dia de amanhã será o dia de hoje, repetirá a mesma rotina de sempre: por isso o futuro é nos filmes, não é real nem será.
O grande relógio que controla as vidas marca sempre a mesma hora, a anunciada pela Ave Maria.
Sabendo da verdade (que bem poderá ser uma falsa questão) resolve atacar a imobilidade mental que o rodeia. Pega em dois cubos de granito e faz pontaria. Falha o primeiro com estrondo. O segundo, quando lhe sai projectado das mãos, arranca um grito morto da boca do fato preto e destrói os ponteiros do relógio. Sente o chão a fugir-lhe dos pés; uma tontura empurra-o para o chão alaranjado que se torna vermelho e negro; Ave Maria torna-se difusa.
Acorda, luz branca na retina, por momentos julga-se cego. É o dia há muito esquecido, há muito esperado, dos antigos. Tudo é branco e ele é escuro. Carrega a noite consigo. Tacteia e encontra o relógio caído; o som dos ponteiros chamou-o e mostrou-lhe
9.35
Começara a vida; sentia os ponteiros em movimento.
O Futuro estava próximo.
terça-feira, 4 de outubro de 2005
Combóio
"Train toy ride" - Claire Wolf Krantz - 1999
Calcou a gravilha com prazer. A dimensão das pedrinhas produzia um som estimulante. Como Amélie sentia prazer a mergulhar a mão nos sacos de cereais, ele comprazia-se com a fricção dos minerais. Coisa pouca.
Passou para o outro lado da linha e com o cérebro aos solavancos tentou juntar as letras desenhadas nos vasos da estação. Via mas não compreendia, como se tivesse perdido a capacidade de ler. Tinha chegado à boleia; num inglês básico respondera à pergunta do condutor
- To a train station, i'll get along.
Tinha saudades, muitas, e desejava estar com ela. Não sabia muito bem para onde ia mas se chegara até ali, nalguma altura ia encontrar. Sem mapa, só podia confiar na intuição ou numa informação dada por alguém. Como era muito desconfiado e tendencialmente do contra, não acatava os conselhos que lhe davam. Não sabia muito bem porque raio se dava ao trabalho de perguntar; seria uma manobra rebuscada de manipular o seu livre arbítrio. Não era muito de tomar decisões espontâneas, assim eram tomadas à força pela opinião dos outros.
A estação estava deserta, o que não era de espantar, perdida no meio da serra, pouca gente devia usufruir da sua existência. Ao fundo, no vale, via uma série de casas que pela vegetação envolvente e pelos buracos escuros das janelas, indicavam que já há muito estariam abandonadas. À esquerda carris perfuravam uma elevação e as vagonetas explicavam tudo.
Mas que raio de ideia, a do homem, de o deixar ali ao abandono.
Ouviu um trote, um cavalo ou algo parecido aproximava-se. Virá acompanhado?! O mais certo é que fosse um dos cavalos selvagens que vira quando o seu transporte cruzara os estradões da montanha. A solidão estava a saber bem e não queria que aparecesse alguém para estragar o momento, mas, simultaneamente, queria tirar as suas dúvidas. Primeiro surgiu uma cabeça com cabelo bem tratado e barba impecavelmente penteada; um corpo coberto por farrapos de cor impossível de discernir do uso exaustivo; por fim o cavalo branco, brilhante a combinar com a cabeça do homem.
Que figura mais estranha.
Quando as coisas são fora do comum não sabemos muito bem como reagir. O efeito surpresa ataca o estereótipo e depois de breve escaramuça moral, a confusão fica entranhada. Quando cavalo e cavaleiro se aproximaram, notou que o ginete tinha as mãos tingidas de vermelho. Recuou em sobressalto e vendo uma lata de tinta e um pincel vermelho atados ao alforge tranquilizou-se.
Não dava jeito nenhum encontrar um assassino no meio do nada.
Fez um gesto para entabular conversa mas o homem, como se ele não existisse, passou-lhe ao lado e, poucos metros adiante, desmontou. Do alforge retirou luvas brancas de borracha, colocou-as, pegou na lata e com o pincel começou a pintar os carris. Com cuidado, para a sua sombra não denunciar a sua posição, aproximou-se e observou o que o homem estava a fazer. Pintava uma espécie de serrilhado, como se o carril se tornasse num gigantesco serrote que cortaria a serra em todo o comprimento. Encolheu os ombros desistindo de perceber o que aquele estranho personagem estava para ali a maquinar.
Afastou-se e sentou-se à espera do combóio. Tirou o caderno e começou a escrever.
Ao fundo uma máquina Branca deslocava-se a alta velocidade. Como estava longe ainda devia demorar uns bons três minutos a chegar.
O Pintor interrompeu a tarefa; pegou na lata e no pincel e recolocou-os no alforge; tirou as luvas grotescamente imaculadas, e com as suas mãos vermelhas-sangue – ainda não conseguia entender porquê – agarrou nas rédeas e montou. Pela primeira vez olhou para ele e com um sorriso, que parecia ter algo de mefistofélico, afastou-se a galope.
Na direcçaõ oposta aproximava-se o comboio sem diminuiçao de velocidade. Não me digas que vou ficar em terra. Quando atingiu a zona pintada, o início do serrote, descarrilou fazendo com que as pessoas que não se viam gritassem em pânico.