domingo, 17 de julho de 2005

Jacarandá




Cedo descobri que as coisas não eram exactamente como pareciam. Todos os dias olhava pela janela e os ramos do jacarandá me indicavam as puras verdades e as deslavadas mentiras. Era o meu confessor, tutor e elucidador. Descansava-me olhar para ele e pensar nos degraus que ia subindo. Aos poucos descobria tudo o que havia para descobrir.

Tornara-me calculista por força das circunstâncias. A vida dera-me tanta bofetada e facada que modificara a minha forma de me relacionar com as pessoas.

A chama que acendera o rastilho havia sido ignada pela mesma mão eu tanta vez me fremitara de prazer. O que dá o bom também o tira e eu já o devia saber.

Estávamos em 1996 e o tempo era de alegria despreocupada. Eu era um adolescente acabado de ingressar na faculdade, e a maldade para mim não existia. Atirava-me de braços abertos para as mãos e corações de toda a gente e ignorava que me pudessem fazer mal, que tivessem inveja de mim, que secretamente me odiassem.

Por entre as frinchas da sociedade que me rodeava, espreitavam-me e planeavam, seguiam os meus passos e cozinhavam em lume brando o intento de me destruir.

Foi nessa altura que conheci Rebeca, essa odalisca de olhos verdes e pele escura. Foi como uma revelação para mim, pôs-me na câmara escura e encheu os meus dias de cor e as noites de amor.

Com jeito e paciência, ensinou-me os truques de bem fazer o amor. Professora paciente, com a experiência dos seus trinta e dois anos, consegui transformar a minha insegurança e timidez na pior coisa para ela e na melhor para mim. Tornei-me convencido e arrogante, e como sexo pede sempre mais sexo – as hormonas começam a fazer todas as provas olímpicas de saltos – comecei a trai-la com outras.

Muitas vezes chegava a casa sem vontade de fazer fosse o que fosse. Estava esgotado e farto de estar com ela, até que me encostou, com o seu corpo de comer e chorar por mais, à parede «ou eu ou elas» e eu burro fiquei com elas.

Passados dois meses voltei para ela. Satisfazia-me de todas as formas e completava-me, eu é que não o sabia antes. Só quando sentimos a falta de alguma coisa é que percebemos que não podemos viver sem ela, e com Rebeca assim foi. Passados dois anos de aparente felicidade, em que eu me moldei à sua imagem e, muito naturalmente, ela à minha, começou a acontecer aquilo que eu não estava à espera.

Continua aqui

15 comentários:

Anónimo disse...

Miguel

Por vezes temos o que é bom ao nosso lado e não vêmos.Mas por vezes é bom ser cego.

Anónimo disse...

Não me lembro dessa Rebeca...

Nuno Furtado disse...

costumamos querer não aquilo que precisamos, mas sim aquilo que pensamos precisar

Miguel de Terceleiros disse...

Adriano: Quando descobrimos isso que é bom pode ser tarde demais.

Galecius: nem é para te lembrares galecius. se bem que por vezes a ficção tem sérias semelhanças com a realidade.

masterperas: e no fi não precisamos daquilo que pensavamos precisar

Sara MM disse...

bolasbolasbolas!!!
Isso foi um filme de domingo à noite ou foi mesmo real? contigo?
Nao te invejo... nadinha!

BJs
Sara
PS- e afinal é este blog ou o outro!??!!? gostei mais do "look" deste :o(
PS2- O jacarandá é lindo!

Sukie disse...

As pessoas têm direito a uma segunda oportunidade...e a tal "Rebeca" fê-lo no início...mas se calhar não foi capaz de esquecer e quis ter a sua doce "paga", "vingança, ou o que lhe queiramos chamar.
De qualquer forma a reacção ao infortunado encontro foi de "classe". É pena que a paz não tenha durado para sempre. Mas eu tenho sérias dúvidas acerca da existência do "para sempre". O melhor é aproveitar o presente, vivê-lo da melhor maneira...

Freddy disse...

Excelente mas excelente texto...
À 1a vista apeteceu-me fazer um qualquer comentário simples, bacoco e alarve.
Mas pensando melhor, tocou-me este texto.
Pela abertura, transparência e sinceridade.

Bravo!

Aquele abraço da Zona Franca

Miguel de Terceleiros disse...

sara mm: Todas as histórias tem um pouco de nós, há que saber ler nas entrelinhas. o blog... são os dois, o outro mais literário este mais generalista. beijos e obrigado pela visita.

Miguel de Terceleiros disse...

moonj_rita: como comprender a mente humana? provavelmente se o personagem tivesse dado um soco no inominável seria melhor,mas assim nao o decidi.a liberdade poética ainda é útil para algumas coisas.beijo e obrigado pela visita.

Miguel de Terceleiros disse...

voudaquiparaali: nada de marketing mas há sempre boas ideias. eu é mais arqueologia. beijo

Miguel de Terceleiros disse...

freddy: eu é que fiquei tocado com o teu comentário. obrigado. tenho lido o teu blog mas não o consigo comentar, deve ser culpa do pc que tenho usado mas logo já trato disso. abraço

kiko disse...

Rebecca, a tal que se elevou aos céus por entre lençois acabados de lavar... terião sido usados por ti, concubino!?!?! :D Abraço

armando s. sousa disse...

Excelente texto em duas partes.
Concordo contigo, que é muito bom não ter amigos burros, porque eles poem-nos ao seu nível e depois destroiem-nos com a sua experiência.
Excelente texto, mais uma vez.
Um abraço.

Freddy disse...

;)

Abraço da Zona Franca

Miguel de Terceleiros disse...

Quiosk: nunca conspurcarei nada, pelo menos por vontade expressa. sei de quem falas, gabito viu-se e desejou-se para a elevar, mas isso já tu sabes!!!

Armando: a tua opinião toca-me, pela mor experiência que tens, sinto-me elogiado por estar em sintonia com o que tu pensas.
obrigado pelo elogio.

Freddy: temos que combinar essa cerveja!!!